E quem diz Brasil, diz…

‘Passe Livre’ foi o nome adoptado pelos dirigentes para o movimento de protesto no Brasil ou em muitos estados brasileiros. Tudo começou com uma contestação contra o aumento dos transportes e agora continua com a exigência de transportes gratuitos, melhores serviços públicos, melhores hospitais e escolas, menos estádios de futebol, contra a corrupção, entre outras…

todas são compreensíveis e desejadas e quase todas serão impossíveis de satisfazer imediatamente ou nesta vida. como se fosse pouco, os protestos foram contaminados por grupos de extremistas, o que é natural tendo em conta o leque variado das exigências. os delinquentes não podiam deixar de ceder a tão tentadora confusão. seja qual for o fim desta história, fica claro que os partidos políticos estão mais uma vez no centro deste caos. não só o governo como a oposição. esqueceram mais uma vez para que os escolhemos e por que os sustentamos.

acreditar na vítima

na slate perguntam porque é que a polícia tem dificuldade em acreditar nas vítimas de violação. a pergunta é importante e a resposta é fascinante. as reacções da vítimas de violação são por vezes mal entendidas. isto acontece porque perante o ataque, o córtex pré-frontal, onde se processa a memória, bloqueia e a amígdala, responsável por descodificar as emoções, começa a mandar libertar hormonas como se não houvesse amanhã. o resultado é uma vítima paralisada, sem memória, e até a rir. outra forma de descrever o problema é: não estamos à espera de certas reacções de vítimas de violência, por isso não sabemos se havemos de acreditar nelas ou não. acresce que a percentagem de falsas violações é mínima, de 2 a 8% nos estados unidos. a solução está em fazer outras perguntas à vítima. tentar aos poucos que se lembre do agressor através dos sentidos. que sons ouviu, que cheiros havia, etc. é uma pequena descoberta que faz toda a diferença.

páginas encantadoras

era uma vez um programa sobre livros. a proposta parecia simples. um convidado por dia, cinco dias por semana, recomendava um ou mais livros de que gostasse e falava sobre eles e mais. chamava-se páginas soltas e tinha a duração de doze minutos. ao todo houve 684 programas. foi só o programa mais sedutor sobre pessoas e livros na televisão portuguesa. a ideia e a apresentação eram de bárbara guimarães. a maneira de ser cálida da entrevistadora, a liberdade dos temas e o bem-estar dos entrevistados produziam um efeito encantador no espectador. explicar as razões que levam à recomendação de um livro diz mais de uma pessoa do que horas de conversas frívolas. quando os 12 minutos acabavam, ficávamos com pena, o que, concordemos, acontece pouco na nossa televisão. páginas do páginas soltas é o livro que resulta de uma selecção de apenas trinta entrevistas, em boa hora publicado pela guerra e paz. é altura de lermos o que vimos com tanto prazer.

a destruição da literatura

franco moretti, professor de inglês na universidade de stanford, teve a ideia de transformar textos literários em mapas e gráficos. o objectivo, segundo um artigo publicado no financial times, não é o de fazer uma leitura académica ‘de perto’, mas substituí-la por uma leitura ‘distante’, em que ‘ler’ é perfeitamente secundário. desta leitura distante resultam uma série de conclusões muito pouco literárias. a frequência do uso de certas palavras, o tamanho dos títulos, os adjectivos presentes nesses títulos, os autores mais mencionados em obras de ficção são exemplos de pormenores estatísticos relevantes para o laboratório do professor moretti. os alunos não lêem um livro há anos. o único trabalho que fazem é introduzir os textos no computador e aplicar um programa que transforma as obras de shakespeare em diagramas incompreensíveis. parece haver aqui uma tentativa de escapar à interpretação. falhada, obviamente.

sou contra

a notícia de que o governo se prepara para discutir possíveis benefícios fiscais para as empresas contratarem doutorados não é assim tão boa. por um lado, é exótico que o privado precise da ajuda do estado para contratar funcionários. por outro, pergunto por que razão as empresas têm de ser incentivadas a contratar as pessoas com mais habilitações. dir-se-ia que para certas funções interessa contratar os mais habilitados, com conhecimento e uma capacidade de trabalho acima da média. é preciso incentivar as empresas com benefícios fiscais para actuarem de um modo proveitoso para elas? se uma empresa não tem estrutura para receber doutorados, então tem de evoluir até chegar a um ponto em que não prescinda dos mais habilitados. a mentalidade empresarial em portugal tem de evoluir. e a mudança não passa por dar facilidades fiscais às empresas para fazerem o que lhes compete, que é produzir com profissionalismo e qualidade.