todos sabíamos que a austeridade seria dolorosa. não foram os célebres e penso que sobrevalorizados erros do ministro nas previsões, nem as medidas desmedidas que afectaram a nossa vida que o tornaram o ser menos popular da nossa terra. mas talvez fosse inevitável que os nossos males tivessem uma cara e um nome. muitas das críticas que lhe fizeram foram tão absurdas quanto as de um torturado que se queixa ao torturador de estar a fazer mal o seu trabalho. não há, no entanto, motivos para os críticos de vítor gaspar ficarem contentes nem os portugueses mais esperançosos. maria luís (não luísa, nem luz) albuquerque continuará a cumprir as regras do jogo. e nós sabemos bem que não as fizemos. aliás, o tabuleiro do jogo não é sequer nosso.
a bolsa das virtudes
a revista the atlantic publicou o resultado de um estudo feito pela universidade de chicago, que conclui que o autodomínio nos torna mais felizes a longo prazo. imagino que seja uma surpresa para os defensores de frases como ‘a mim ninguém me cala’, ‘faço o que me apetece’, ou dito de um modo mais sofisticado, ‘a única maneira de nos livrarmos das tentações é cedermos a elas’, da autoria do grande aforista oscar wilde. é certo que a vida é mais divertida com os sibaritas, mais animada com as pessoas interventivas e excessivas. mas, pelos vistos, não faz assim tão bem à saúde física e mental viver intensamente as discussões, levar a peito qualquer sinal de provocação ou sentir-se atingido por tudo e por nada. subitamente, na bolsa de valores da conduta humana, a resignação, o controlo e até alguma negação aparecem acima da paixão neurótica e da paranóia cansativa. é um facto que mister spock é melhor do que o capitão kirk.
vespeiro
há poucas semanas soubemos que o papa francisco admitiu a um grupo de bispos sul-americanos que existia um lobby gay dentro do vaticano. não se tratou de uma afirmação oficial, mas como é hábito dos jornalistas acabou por ser repetido que o papa tinha dito mesmo o que disse naquele encontro. não esqueçamos, porém, que o rumor não foi desmentido oficialmente. para já, sabemos que, a partir do momento em que o papa falou, se multiplicaram as denúncias, não de vítimas, mas de supostas testemunhas, que fizeram revelações de chantagens e contaram boatos que envolvem bispos da cúria romana; enfim, tudo o que faz parte da sordidez própria da horrenda pedofilia. não tenho dúvidas de que jorge mario bergoglio ficará para a história como um grande papa pela sua dedicação, humildade e calidez, mas também pela sua inteligência política. são muito poucos aqueles que, com implacável sabedoria, podem dar um pontapé no vespeiro.
só de ténis
a senadora democrata wendy davis evitou que uma lei que introduzia limitações ao prazo para interromper a gravidez fosse aprovada ao falar ininterruptamente das 11 da manhã às dez da noite, sem parar uma única vez, nem sequer para ir à casa de banho. foi mais um filibuster bem sucedido, desta vez no texas. os motivos que levaram a senadora a não se calar durante horas a fio espantam qualquer moderado. não conheço a discussão, mas limitar o prazo da interrupção da gravidez para as 20 semanas, em vez das 22 previstas, não é à partida irrazoável. mas não pensemos agora no mais importante desta situação. wendy davis falou de pé durante 11 horas seguidas. imagino que se terá repetido imenso. também só pode ter tomado coisas para reter líquidos, não dormir e proteger a garganta. mas nenhuma informação relevante chegou até nós. só a imagem de uns ténis cor-de-rosa confortáveis. wendy davis pensou em tudo e isso faz-me ter simpatia por ela.
adultos vs. crianças
a slate, preocupada com as notícias recentes sobre o alegado declínio da pixar, decidiu fazer um inquérito diferente e perguntou a 24 crianças que opinião tinham sobre os filmes de animação dos últimos anos. os resultados são surpreendentes para quem chora com uma decadência, que não só não é notada pelas crianças como lhes é irrelevante. o recente monsters university foi criticado pelos adultos (77%), mas as crianças adoraram (89%). o mesmo aconteceu com cars 2, desprezado pelos pais (39%) e amado pelos filhos (82%). os motivos apresentados pelos miúdos para gostarem tanto destes dois filmes são simples e de pormenor. «os carros de corrida são giros», disse wilson de quatro anos, sobre cars 2. harry, também de quatro anos, gostou de ver um monstro a cair da cama, em monsters university. fazer a coisa certa nem sempre depende do que se pensa ser bom ou mau, mas do seu efeito. a pixar não se anda a enganar assim tanto.