o primeiro será «estabelecer o calendário mais adequado para a realização de eleições antecipadas», num processo cuja abertura pelos três partidos «deve coincidir com o final do programa de ajustamento, em junho do próximo ano». o que, na prática, atiraria as eleições legislativas para setembro ou outubro de 2014.
o segundo pilar será o apoio dos três partidos «à tomada das medidas necessárias para que portugal possa regressar aos mercados logo no início de 2014» – o que significa a aprovação conjunta das medidas já acordadas na 7.ª avaliação da troika, incluindo o difícil e controverso corte de 4 mil milhões de euros na despesa do estado.
o terceiro pilar será o compromisso de psd, ps e cds para que «o governo que resulte das próximas eleições» tenha assegurado «a governabilidade do país, a sustentabilidade da dívida pública, o controlo das contas externas, a melhoria da competitividade da nossa economia e a criação de emprego». isto poderá significar a quantificação de um limite da dívida em relação ao pib que não possa ser ultrapassado, de uma barreira máxima para o défice orçamental e do quantitativo a baixar em impostos como o irc e o iva, para estimular a economia, incluindo reduções graduais e a prazo do irs.
hipótese 1: psd e cds rejeitam 1º pilar
se em relação ao terceiro pilar todos os partidos estarão de acordo e dispostos a encetar o diálogo – pois permitirá ao próximo governo, qualquer que seja a sua composição partidária, uma governação estável e sem sobressaltos – já o primeiro pilar levantará sérias reservas a psd e cds. e o segundo pilar dificilmente contará com o apoio do ps.
se passos coelho e paulo portas aceitarem o facto consumado de se marcarem eleições antecipadas para setembro ou outubro de 2014, isso significará que ficam a liderar um governo a prazo, quase de gestão. um executivo diminuído na sua credibilidade e na sua autoridade, que teria condições mínimas para negociar com a troika e os parceiros europeus ou para dialogar e aprovar medidas com os parceiros sociais.
psd e cds podem manifestar abertura total às conversações tuteladas por belém para um ‘acordo patriótico’ de médio prazo. mas dificilmente admitirão que o seu governo não cumpra a legislatura até ao final de 2015. isso significaria aceitarem que o seu prazo de vida seja encurtado em um ano por um artifício político presidencial e que se vejam obrigados a disputar eleições na mais adversa das conjunturas, no segundo semestre de 2014, após terminado o programa de ajustamento com a troika e cumprida a fase mais tormentosa e impopular das medidas de austeridade e de cortes no estado.
o que fará cavaco silva se passos e portas rejeitarem liminarmente este pilar da antecipação de eleições para 2014?
hipótese 2: o ps nao subscreve o 2º pilar
no que respeita ao segundo pilar, passos e portas aplaudiriam em uníssono a vinculação do ps às novas medidas de austeridade que estão em cima da mesa do governo e constam da 7.ª avaliação da troika. incluindo o corte de 4 mil milhões de euros nos gastos do estado e que prevê a convergência das pensões da caixa geral de aposentações (reduzidas em 740 milhões de euros já em 2014) ou o aumento da idade da reforma.
mas antónio josé seguro tem feito do combate a este novo pacote de medidas uma das suas bandeiras políticas. e não parece ter condições internas no ps para voltar agora atrás com a sua palavra.
seguro aprovará de bom grado o primeiro pilar (que lhe permite chegar ao poder um ano antes do previsto) e o terceiro pilar (que lhe daria condições únicas de governabilidade). mas não se afigura provável que possa assumir, até lá, o compromisso de dar o aval do ps «à tomada das medidas necessárias para que portugal possa regressar aos mercados logo no início de 2014».
o que fará cavaco silva se seguro e o ps recusarem frontalmente este pilar de compromisso com a austeridade?
as perguntas que ficaram sem resposta
são estas algumas das perguntas que cavaco deixou sem resposta na sua comunicação da passada quarta-feira.
o que fará o presidente se psd e cds, por um lado, ou o ps, por outro lado, não caucionarem todos os três pontos em que assenta a sua proposta? contentar-se-á apenas com um acordo mínimo entre os três partidos sobre o terceiro pilar?
cavaco disse apenas que, «sem a existência desse acordo, encontrar-se-ão naturalmente outras soluções no quadro do nosso sistema jurídico-constitucional». e recordou que «o actual governo se encontra na plenitude das suas funções».
quais são, então, as soluções que cavaco tem no seu quadro de competências jurídico-constitucionais? serão basicamente, três.
a primeira, à falta de ser obtido um acordo entre ps, psd e cds, seria a convocação imediata de legislativas antecipadas. mas esse foi o cenário que o presidente eliminou radicalmente na primeira parte da sua intervenção.
a segunda solução seria a nomeação de um governo de iniciativa presidencial, liderado pela referida «personalidade de reconhecido prestígio», com um horizonte de vida até junho de 2014, dando a seguir lugar a eleições antecipadas. mas como iriam o psd e o cds viabilizar no parlamento um tal governo, com reminiscências eanistas, que acabara de os desalojar do poder? e como conseguiria esse governo fazer aprovar um exigente orçamento para 2014 num parlamento tão crispado e dividido? se caísse ao fim de quatro ou cinco meses, seguir-se-iam eleições antecipadas? são incógnitas que convertem essa opção de cavaco num exercício político de altíssimo risco.
a terceira solução seria o simples reconhecimento presidencial – ao fim de uma semana ou duas – de que os três partidos, ps, psd e cds, não eram capazes de chegar a acordo quanto ao ‘compromisso histórico’. cavaco salientaria ter feito o seu papel, com o maior empenho, mas em vão – por culpa dos partidos. e daria continuidade governativa ao executivo psd/cds, ainda que demarcando-se claramente dele aos olhos do país.
e a remodelação?
em qualquer dos casos, sobram ainda algumas perguntas que cavaco silva não esclareceu. qual o prazo limite para as negociações entre os três partidos chegarem a uma conclusão? a frase «nos próximos dias», que incluiu na sua comunicação, quer dizer o quê: uma semana, duas, um mês?
e a remodelação já desenhada por passos coelho, com paulo portas a vice-primeiro-ministro e antónio pires de lima na economia, fica congelada até quando numa gaveta de belém? pode o presidente recusar essa remodelação a um «governo que se encontra na plenitude das suas funções»? por quanto tempo? até ao fim das negociações?
cavaco silva deixou deliberadamente todas estas perguntas sem resposta. e, para já, não resolveu o problema do governo do país. apenas o adiou. e sem uma solução exequível à vista.