Croácia: A pista de dança do Adriático

Na lista que o jornal The Guardian elaborou com os melhores festivais de Verão, a Croácia soma o maior número de eventos, sendo a maioria dedicada à música electrónica. O país que, no início dos anos 90, viveu um dos mais agressivos conflitos da Europa, é hoje o epicentro da música de dança e rouba…

no arranque dos anos 90, quando a região dos balcãs era o epicentro das convulsões que assolavam a europa, dificilmente se podia imaginar que a croácia se tornaria um dos países mais disputados quando o assunto são os festivais de verão. mas o cenário mudou. na lista elaborada pelo jornal the guardian para os melhores festivais de verão na europa, numa lista de 73, dois (alive e primavera) são em portugal. doze são na croácia, o mesmo país que o guia lonely planet apontou como um dos dez destinos europeus mais desejáveis para 2013: love system, echo, in music, hideout, garden festival, electric elephant, soundwave, suncébeat, stop making sense, outlook, dimensions e o unknown. destes, um número considerável assenta a sua linha musical na electrónica, seja através de dj ou de novas bandas cuja identidade tem origem nestes ritmos. e aos 12 mencionados ainda se juntam o ultra – que este fim-de-semana reuniu nomes da cena underground como carl cox, marco carola, art department e jamie jones e outros mais comerciais como steve aoki, avicii e hardwell; mas também o sonus – que acontece na mesma praia que o hideout e é organizado pela equipa que faz o time warp e a love family park (eventos de renome na alemanha).

neste verão de 2013, não há um único fim-de-semana em que não aconteça um festival na croácia. “há alguns óptimos festivais na croácia, cada um a pensar em diferentes públicos e gostos musicais. desde que as ideias sejam inovadoras e diferentes, acho que há espaço para que aconteçam muitos eventos porque é um país grande e com sítios fantásticos”, explica mark newton, da organização do hideout e do novo unknown, ao sol.

entalada entre a eslovénia, a hungria, a sérvia e a bósnia-herzegovina, a croácia é actualmente uma gigantesca pista de dança plantada à beira do adriático, que concorre com alguns dos destinos mais famosos do mundo. nomeadamente as ‘mecas’ de miami e ibiza. o mesmo the guardian já chegou a questioná-lo explicitamente: “como é que a croácia se conseguiu transformar de um fim do mundo delapidado pela guerra no grande rival de miami e ibiza?”.

o cenário começou a alterar-se nos últimos dez anos. a outrora discreta e convencional croácia foi vendo o número de festivais de verão multiplicarem-se pelos quatro cantos do seu território. o facto de o destino reunir bom clima, a possibilidade de praia e visitas culturais, além de preços ainda relativamente em conta – cenário que se poderá alterar com a adesão à união europeia – e inúmeras companhias low cost a voarem para ali, parece ter criado a alavanca certa para que estes festivais recolhessem adeptos além-fronteiras.

no entanto, foi a visita do promotor nick colgan, há cerca de dez anos, que ditou que, a par com os festivais de formato mais tradicional, fossem surgindo inúmeros eventos ligados à música electrónica. bastaram umas férias para que colgan se apaixonasse de imediato pelo país, como revelou numa entrevista: “apaixonei-me pela região. não se passava nada, mas dava para sentir que havia vontade de seguir em frente e de experimentar coisas diferentes, desde os mais jovens até às próprias autoridades”. em apenas dez dias colgan comprou uma discoteca em zadar e ali se instalou com a família, convicto de que poderia marcar a diferença. a ele juntou-se o amigo, e também promotor, eddie o’callaghan e criaram o garden festival, em petrcane, zadar, cuja primeira edição, em 2006, reuniu 300 pessoas e a terceira três mil. “quando nos mostraram este fabuloso complexo dos anos 70, instalado numa península coberta de pinheiros, com uma discoteca circular, um enorme terraço e um bar em cima da praia, soubemos que seria a localização perfeita para um boutique festival”, lê-se na apresentação do evento. o garden decorre durante dois fins-de-semana e reúne bandas e dj de todos os espectros da música de dança, divididas entre o palco principal, o tiki bar e a discoteca barbarella. além disto há festas diárias em barcos.

nick colgan, eddie o’callaghan e o seu garden festival abriram a porta a outros promotores e a festivais como o soundwave, o outlook, o dimensions… no entanto, foi em 2010, com o nascimento do hideout, na praia de zrce, na ilha de pag, que a croácia começou a ameaçar seriamente o reinado de ibiza e miami. e tudo começou, uma vez mais, por uma paixão súbita: “eu e o dan estávamos há algum tempo a organizar festas e concertos em ibiza e começámos a ouvir coisas maravilhosas sobre a croácia. um dos meus amigos já estava a organizar eventos por lá e sugeriu que o visitássemos e que ponderássemos fazer o mesmo. assim, quando terminou a temporada de 2010 em ibiza, fomos para a croácia._apaixonámo-nos instantaneamente e começámos a pensar no hideout”, disse mark newton ao sol. mas afinal o que faz da croácia este novo éden para os fãs de música electrónica? para mark newton a resposta é linear: “o país é lindo e, na sua maioria, inexplorado. até há poucos anos não era visto pelos jovens como um destino de férias e, portanto, é uma experiência nova. as pessoas são realmente amigáveis e acolhedoras. como tem uma longa costa, tem muitas praias, o que é ideal como destino de férias. e é muito mais barato do que outros destinos do género”.

o festival hideout, cuja terceira edição terminou há uma semana, estava esgotado há meses. “este ano tivemos um pouco mais de dez mil pessoas, o que é um número ligeiramente superior a 2012, mas não muito porque queremos que continue a ser uma experiência íntima”. no rescaldo, basta entrar na página de facebook do hideout para perceber que a frase mais comum é: “foi a melhor semana da minha vida”. afinal, em poucos outros locais do mundo é possível passar três dias de biquíni ou calção de banho, na praia, a fazer bungee jumping, na piscina ou em boat parties, e a dançar ao som dos mais reputados dj da actualidade, como dixon, soul clap, sbtrkt, seth troxler, loco dice, john talabot ou dyed soundorom.

a maioria do público é jovem e vem de inglaterra – até porque uma boa parte dos promotores a trabalhar na croácia são ingleses, como é o caso da equipa do hideout e do unknown. “recebemos desde pessoas que passaram muitos anos a ir a ibiza e procuram uma experiência diferente a outras que estão a fazer as suas primeiras ‘férias musicais’”. apesar de não haver dados oficiais, um número crescente destes festivaleiros aproveita a visita para passar mais uns dias a explorar a croácia. aliás, a maioria dos festivais já tem agências de viagens a organizar as férias. ou seja, é possível, de uma só vez, comprar o bilhete para o festival, o alojamento, o bilhete de avião e até o transfer do aeroporto.

“temos muito boas relações com todos os promotores que actualmente aqui trabalham”, disse ivan dabo, presidente da câmara de novalja (onde acontece o hideout), ao the guardian. “os jovens que aqui vêm são excelentes visitantes, gastam dinheiro nas nossas cidades e aldeias e acreditamos que, um dia, vão cá voltar com as suas famílias”. estes promotores vieram para ficar e daí as relações que tentam estabelecer com as autoridades locais, como explica mark newton: “os croatas não querem que o seu país se transforme num daqueles destinos para miúdos com álcool barato e muita violência. trabalhar com as autoridades e as agências de viagens locais pode ajudar a evitar isso”.

com uma fórmula que parece somar sucesso, os promotores a trabalharem na croácia continuam a investir em novos festivais, mas resistindo à tentação de aumentar a dimensão dos já existentes. é o caso do hideout, que com a lotação esgotada nas três edições que já realizou, levou a organização a partir para um novo desafio: o unknown, no meio da floresta, em rovinj. ainda antes de ter acontecido já é apontado como um dos melhores festivais do verão. “enquanto o hideout se foca apenas nos dj, o unknown, além dos dj, cobre outras nuances musicais, com muitas bandas e live acts. mas o unknown também terá instalações artísticas, visionamento de cinema e outras actividades”, explica marc newton, para logo de seguida enumerar alguns dos cabeças-de-cartaz: disclosure, jamie xx, richie hawtin, django django, moderat, ame, james holden, michael mayer, maceo plex, four tet.

entre 2011 e 2012 houve uma redução do número de visitantes em ibiza – na ordem dos 15 mil –, mas não há como saber se estes efectivamente se deslocaram para a croácia. em todo o caso as comparações somam-se e a verdade é que a croácia parece, actualmente, sair melhor no retrato. “a partir das onze da noite já é difícil encontrar música ao ar livre em ibiza, até os terraços do space e do amnesia passaram a ter telhados. na croácia ainda se dança a ver as estrelas no céu”. ainda assim, o mesmo marc newton remata ao sol: “tendo passado muito tempo nos dois sítios posso dizer que são muito diferentes. ambos são destinos incríveis para eventos de música e para férias, mas não devem ser comparados: as diferenças ainda ultrapassam as semelhanças”.

raquel.carrilho@sol.pt