Salomão revisitado

Marcelo Rebelo de Sousa no seu habitual comentário ao domingo na TVI, comparou a decisão de Cavaco à do Rei Salomão.

contou a história assim: «quando lhe apareceram duas mulheres a reclamar uma criança, partiu-a ao meio e deixou as duas mulheres a chorar porque nenhuma ficou com a criança». sabemos, no entanto, que a lenda é outra. só uma das mulheres chorou com a decisão do rei, que assim reconheceu a verdadeira mãe a quem entregou o filho. depois de mais de uma semana a ouvirmos analogias pavorosas com casamentos, divórcios, quem fica com as crianças, meninos no recreio, pais que têm de pôr na ordem, etc. apareceu a tentativa de marcelo de uma analogia popular, mas mais original. o problema é o fim da história, que estraga uma imagem tão promissora da crise política. das duas uma: ou marcelo não conhecia bem a história do rei salomão ou percebeu a meio que o final não lhe convinha nada. ou então a falsa mãe é cavaco.

a dívida e a dúvida

foi aprovada por unanimidade, a 26 de junho, uma lei proposta por josé ribeiro e castro, e emendada pelo ps, que devolve a nacionalidade portuguesa aos judeus sefarditas expulsos no século xvi. a lei foi saudada pelo the times of israel. espanha aprovou uma lei parecida no ano passado e são agora dois os países com uma lei de naturalização dos judeus. são óptimas notícias. há, no entanto, alguns problemas com a sua aplicação. não vai ser tarefa fácil detectar os judeus sefarditas de origem portuguesa e espanhola. para complicar mais a validação, lembremos que a língua ainda falada desta minoria é o ladino, um derivado do castelhano. por outro lado, o aparecimento destas leis na península ibérica coincide com uma crise financeira em que a atracção de capitais surge como prioritária. não duvido de a oferta de nacionalidade provir de uma dívida que temos com o povo judeu. quem me dera estar certa de que não existem outros interesses.

a vida das estrelas

dominique strauss-kahn foi entrevistado por richard quest na cnn. penso que foi a primeira vez que falou da sua vida profissional e pessoal num canal de televisão. atacou as políticas de austeridade europeias e falou abertamente sobre o famoso episódio com a empregada do hotel sofitel, nafissatou diallo. às tantas, afirmou que «não tem problemas com as mulheres». apetece pedir a strauss-kahn que defina «problema». disse ainda que o sexo com diallo foi consensual, o que poderá ser verdade, não sabemos. o mais extraordinário da entrevista foi ter afirmado que o seu erro foi não ter compreendido que aquilo que se espera de uma figura pública é diferente do que espera de uma pessoa anónima. o cândido mas adulto ex-director do fmi afirmou que estava convencido de que podia fazer o que lhe apetecesse na sua vida privada desde que fosse legal. foi enternecedor. se fosse o justin bieber ou um rapaz da idade dele, até ficava com pena.

olé olá

no sábado passado a sic cumpriu três proezas com a transmissão do programa olé. conseguiu irritar os aficionados das touradas, porque a festa não estava a ser respeitada. conseguiu irritar os defensores dos direitos dos animais, que não admitem nenhum tipo de brincadeiras com os bichos. e, com esta irritação colectiva, conseguiu uma audiência recorde. dizendo toda a verdade e esperando que não me levem a mal por isso, só posso afirmar que gostei. ri-me como há muito não me acontecia com um programa de entretenimento de produção nacional e só fiz zapping nas intervenções dos jurados. as pegas foram muito boas, até a de merche romero, que foi lá fazer uma festinha a um bezerro na companhia de um grupo de forcados amador. os animais não sofreram. acho até que se divertiram. e houve uma injustiça. marco borges foi roubado! todos vimos josé castelo branco a ser posto em cima do touro. se aquilo é uma pega de caras, eu sou a heidi klum.

sem tijolo

o veredicto do caso do segurança george zimmerman, de 29 anos, que matou trayvon martin, de 17, surpreendeu o mundo. zimmerman foi considerado inocente, após ter confessado ter morto o rapaz. alegou tê-lo feito em legítima defesa. o segurança suspeitou do comportamento de martin e seguiu-o. mas, na verdade, era só um rapaz com uma camisola com capuz, que voltava para casa da loja de conveniência com um chocolate e um ice tea na mão. depois do veredicto, a fotografia de martin luther king de capuz invadiu as redes sociais. houve manifestações de consternação não violenta por todo o país. david simon, autor da série the wire, escreveu no seu blogue que a reacção das pessoas «era uma demonstração de tolerância estóica maior do que merecemos». acrescentou que se fosse negro estaria agora com um tijolo na mão em frente ao tribunal. não é preciso ser negro para perceber a importância da revolta. e não é preciso incitar à violência.