numa manhã de julho estavam três marias neste espaço. duas de sabão na mão para lavar “peças grandes, que não dão jeito na máquina” e uma para contar como ‘lava roupa’ quando faz teatro.
numa pausa da lavagem das cortinas brancas da casa que habita ali ao lado, maria alves cardoso faz as suas visitas raras ao lavadouro, quase sempre no verão, e para lavar carpetes e edredões. “uma coisa muito boa” é como resume o espaço.
por ali encontra “sempre muita gente e pessoas de fora”, diz maria, que na véspera esteve lado a lado com moradoras da pontinha e do bairro padre cruz.
depois da lavagem, a “ajuda das vizinhas” é essencial para colocar as peças no estendal também comunitário, localizado nas traseiras do lavadouro. “quando estamos aqui ajudamo-nos umas às outras”.
apesar de morar a poucos metros, maria alves cardoso nunca utilizou o lavadouro enquanto sala de espectáculos, devido a horários familiares e a deslocações à terra natal, são pedro sul, que se têm sobreposto. “mas devia ter cá vindo”, admite à agência lusa.
“deu vida aqui a carnide. dantes não tínhamos cá nada, agora temos a casa do artista, já convivemos mais com pessoas”, nota.
a outra maria que está a lavar tem como apelidos oliveira silva álvaro e soma 36 anos de moradora no bairro e outros tantos como conhecedora do lavadouro. quando mudou para uma casa mais perto do lavadouro, tornou-se frequentadora por dar “muito jeito” para tapetes, carpetes e edredões.
ali encontra vizinhas, com quem conversa e “é agradável”. do que assistiu do teatro do silêncio gostou e aprova que o grupo esteja ali.
a terceira maria, gil de último nome, explica que o lavadouro está aberto ao público das 08:30 às 17:00 e depois funciona “dentro, fora dos tanques e na zona do estendal” como sala de ensaios e de espectáculos para o seu grupo, o teatro do silêncio.
uma artista plástica, sofia de andrade, já ali mostrou obra e sara anjo dançou, acrescenta, lembrando as visitas no primeiro domingo de cada mês para ensinar a lavar à mão e que dá direito a um certificado aos ‘alunos’.
este grupo de teatro assinou um protocolo com a junta de freguesia de carnide, que tem preferência por locais pouco convencionais para trabalhar.
“está aqui um óptimo espaço para vocês”, uma frase que fez desconfiar o grupo porque afinal não é hábito darem-lhes coisas, mas o desafio foi aceite e fixaram residência no lavadouro.
as visitas guiadas são as actividades que mais chamam os vizinhos, como os avós que querem mostrar aos netos o espaço e o “como se fazia”.
imaginando aquele espaço num futuro próximo, maria gil espera que “ainda haja teatro e pessoas a lavar à mão” porque não devem ser “esquecidas coisas tão simples”.
se é “positivo” que não haja tanta gente a lavar por mostrar que a tecnologia chega às casas e que deixa de haver “escravas das tarefas domésticas”, é também necessário as “coisas estarem disponíveis e, mais do que serem utilizadas, é a importância do património continuar vivo”, resume.
e mesmo sem sabão azul e branco junto a si, maria gil recorda que o teatro foi sempre um “local onde se lavou roupa suja”.
“apesar do ditado dizer que não se deve fazer em público, a não ser em certos locais, em que o público e o privado se contaminam, parece que este é um desses locais, e no teatro podemo-nos expor”, diz esta maria que também recorre ao lavadouro.