Sob o signo de Amadeo, os 30 anos do CAM

É um dos mais antigos e prestigiados centros de arte moderna da Europa, tendo sido o primeiro da Península Ibérica, projectado dois anos depois de o Centro Pompidou, em Paris, abrir as suas portas. E está de parabéns. O CAM, da Fundação Calouste Gulbenkian, assinala este ano o seu 30.º aniversário.

a festa será em grande. sob o signo de amadeo – um século de arte é a exposição que sexta-feira se inaugurou para celebrar a data (o museu abriu as suas portas pela primeira vez a 25 de julho de 1983), tomando de assalto todo o espaço do cam, chegando até a haver obras expostas na cafetaria e nas casas de banho.

a mostra percorre o que de melhor foi feito ao longo do último século, e sempre a partir de amadeo de souza-cardoso. o modernista português tem para ele toda uma galeria, estando exposto quase todo o seu trabalho pertencente ao acervo da fcg. e é não só uma excelente oportunidade para quem, em 2007, não conseguiu ver a retrospectiva que a fcg lhe dedicou, como para os mais de cem mil que a visitaram. é que às suas pinturas juntam-se agora diversos desenhos em papel e uma enorme colecção de brasões.

“o amadeo é uma das grandes âncoras da colecção do cam e mostra-se aqui quase na totalidade. há imensos desenhos, o que vai ser a grande surpresa desta exposição, porque não se vêem há muito tempo e são magníficos. tal como na pintura, era um génio, e um génio que dialoga com todos os movimentos do seu tempo e, ainda assim, consegue ter um olhar muito próprio, ser um autor. é uma espécie de grande contentor do século xx. amadeo experimentou tudo o que o século virá a desenvolver. é o grande pano de fundo para todo o século xx em portugal. e aqui temos todas as fases de amadeo, desde a mais abstracta até à final. até brasões, que nunca tinham sido exibidos e mostram este lado entre o cosmopolitismo de paris e ser um senhor de terras, abastado, com uma ligação à ruralidade mas também à aristocracia “, diz isabel carlos, directora do cam.

muito mais há para ver até janeiro

mas se é amadeo que dá o mote para a mostra – e o nome que voltará a arrastar milhares até à fcg – muito mais há para ver no cam até 19 de janeiro. está patente 5% do seu acervo (que conta com cerca de dez mil obras), com trabalhos de artistas que dialogam uns com os outros.

à entrada, a crise recebe-nos em cheio, em trabalhos como ‘euroblood’, de carlos no, um led que, qual cotação da bolsa, nos anuncia a cotação do sangue dos que vivem na europa, ou a instalação de andré guedes ‘airotiv’. para isabel carlos uma celebração não implica uma alienação. “o cam continua a ser um porto de abrigo para os artistas. queremos celebrar com o passado – e começamos lá atrás, em 1910 – mas também com interrogações para o séc. xxi. temos que pensar neste início de século na instabilidade do continente em que estamos. a maior parte de nós está em perda: de qualidade de vida, de coisas que tínhamos atingido e que neste momento não temos. os artistas são uma espécie de antenas, que captam o tempo e antecipam questões. é festa, são 30 anos, mas que estão a ser vividos no momento actual que não podemos ignorar”.

passando a crise, há arte pop – anterior à de andy wharhol – de artistas britânicos como peter blake e peter phillips, colocados frente a quadros de artistas portugueses como rené bértholo ou eduardo batarda, sempre em conversa. afinal, uma festa não existe sem estas.

e prosseguem na nave, onde “começa toda uma conversa, ou um discurso, sobre o corpo: o corpo em acção, o corpo em movimento, a questão da performance”. para o exemplificar há obras de antónio olaio, rui órfão, helena almeida, que olham para o passado. mas, em outubro, a performance “vem para o presente, com um ciclo que começa com o alberto pimenta e com uma geração mais recente, como a martinha maia ou a isabel carvalho”. e mesmo sem performance o corpo está presente, e em exposição, com obras de, entre outros, julião sarmento e rui chafes.

mas é ao subir ao primeiro piso que muitos encontrarão o que procuram. aqui, a arte portuguesa está em diálogo com ela própria, num percurso pelo século xx, que vai desde os anos 20 e 30 no chiado pintados por almada negreiros, a pedro calapez, passando por vieira da silva, vespeira, paula rego, júlio pomar, até joão pedro croft, pedro cabrita reis, lourdes castro, leonel moura. “esta exposição mostra que os artistas não nasceram de geração espontânea, olharam uns para os outros, há ligações”, assegura isabel carlos. e, entre outros núcleos que aqui podem ser visitados, há ainda um dedicado ao palco, onde o famoso ‘retrato de fernando pessoa’, de almada negreiros, é estrela.

jazz em agosto com concertos e filmes

estrela é também o jazz em agosto, que, nascido no cam, assinala igualmente a sua 30.ª edição. a comemoração é feita com dez concertos entre 2 e 11 de agosto nos quais se voltará a ver no palco do anfiteatro ao ar livre nomes que ali passaram e fizeram história, com destaque para john zorn, peter evans, pharoah sanders e anthony braxton.

mas como este festival não se faz apenas de concertos serão projectados nove filmes (quatro produzidos por john zorn), e um documentário de rui neves e paulo seabra sobre a história do jazz em portugal, a tensãojazz. e, em jeito de celebração, é lançado um livro de ensaios de bill shoemaker, stuart broomer e brian morton sobre meia centena de músicos que nestes 30 anos passaram pelas várias edições do festival. em dose dupla, não há festa como esta.

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rita.s.freire@sol.pt