numa célebre polémica parlamentar com o deputado da ala liberal miller guerra, o deputado mais reaccionário da época, cazal ribeiro, chegou a falar da publicação do livro como um exemplo da liberdade que, segundo ele, já vigoraria na época. mas a explicação mais plausível é que a censura se tivesse deixado distrair com a inocência do título da novela, dinossauro excelentíssimo, e que depois da intervenção de cazal ribeiro se tivesse sentido inibida em desmentir o tal clima de liberdade (aliás, perfeitamente ilusória) da era marcelista.
ora, os dinossauros voltaram agora à história por causa das próximas eleições locais, devido à sofreguidão do poder com que alguns autarcas, tendo ultrapassado os novos limites legais de permanência à frente das respectivas câmaras, decidiram prosseguir a sua carreira municipal em outros concelhos, tanto quanto possível vizinhos daqueles que anteriormente administravam.
em 2005, inspirados pelo caso de perenidade surreal de alberto joão jardim, os deputados do ps e do bloco de esquerda aproveitaram o momento e a correlação de forças políticas para mudar a lei então vigente que assegurava a permanência ilimitada no poder de autarcas e governantes regionais (o ps, para dar o exemplo, quis estender a redução do período de mandatos ao próprio primeiro-ministro que, a ser concretizada, acabaria por atingir josé sócrates).
mas este é um campo em que as fronteiras entre esquerda e direita eram (e continuam a ser) extremamente voláteis. o psd – assombrado sobretudo pelo fantasma intocável do presidente da madeira – tinha como aliado o pcp na defesa dos dinossauros (ou não fosse o pcp um partido que é, ele próprio, um dinossauro político e ideológico). e o cds e os verdes (estes ousando um ar de independência em relação à tutela comunista) abstiveram-se, o que permitiu a passagem da lei, embora reduzida à limitação dos mandatos autárquicos e mantendo uma ambiguidade de linguagem que permitia interpretações dúbias: a partir de então, um presidente da câmara x não poderia manter-se à frente da dita cuja ao fim de três mandatos, mas isso seria impeditivo de concorrer sucessivamente a outras câmaras por mandatos idênticos até à consumação dos tempos (e, claro, da morte do titular)?
com a aproximação das autárquicas deste ano, quando alguns dinossauros tinham já começado a rugir, a necessidade de clarificar a lei colocou-se de forma premente. mas a verdade é que ninguém ousou no parlamento uma nova iniciativa legislativa, remetendo para os tribunais a decisão final.
não se temeram, então, os tão falados perigos de judicialização da política e começou a tremenda balbúrdia em que mergulhámos, com tribunais de comarca a decidirem em sentido contrário a partir de um mesmo texto legal, ora autorizando que autarcas, atingidos pela limitação de mandatos num município, pudessem concorrer a uma outra câmara, ora interditando tais pretensões. o que é válido em lisboa, beja, évora ou oeiras, por exemplo, não o será em alcácer do sal, tavira, guarda ou castro marim. mas, para complicar as coisas, a sentença decisiva ficará sempre dependente do tribunal constitucional, eventualmente coincidindo com o tempo da campanha eleitoral.
o carácter ‘dinossáurico’ da política e da justiça que herdámos desse dinossauro excelentíssimo que foi oliveira salazar congela as perspectivas de renovação do país.
no poder local, repetem-se as mesmas cenas e as mesmas personagens, sem que delas se extraia uma lógica de necessidade e utilidade públicas e se evite um absurdo de situações inexplicáveis. assistimos a uma grotesca pantomina de ambições políticas medíocres, onde se saltita de câmara em câmara como único objectivo de vida e se fecham as portas ao rejuvenescimento das instituições, reféns da rede de clientelismos que circulam de um concelho para outro. mas a fragmentada paisagem política das próximas autárquicas reflecte, no fundo, o conjunto da realidade do país, cenário de uma feira de velharias sem préstimo.
p.s. – entretanto, no meio de tudo isto, é refrescante ouvir as palavras isentas de triunfalismo e apelando a uma sensatez esperançosa do novo ministro da economia, pires de lima, quando a tentação propagandística seria anunciar, uma vez mais, o fim da crise ao virar da esquina.
