Fukuyama revisitado

Os recentes acontecimentos no Egipto vieram confirmar a ilusão e fracasso da ‘Primavera Árabe’ como sinónimo de modernização e viragem democrática.

este fracasso, registado em todo o magrebe e médio oriente (fora a transição reformista marroquina) põe em causa a tese do determinismo evolutivo, enunciada por francis fukuyama no final da guerra fria, segundo a qual o mundo – todo o mundo – caminharia para sociedades democráticas e capitalistas.

na década de 1970, tinham terminado na europa, por ruptura ou transição, os regimes autoritários da península ibérica e caído a ditadura militar grega, ficando democratizado o espaço nato. na década seguinte, seria a vez das américas: o brasil concretizava a transição do regime militar e em 1985 o chile de pinochet iniciava essa transição concluída em 1988. os generais argentinos tinham caído com a guerra das malvinas em 1983. assim, com excepção de cuba, a américa latina democratizara-se.

nos finais da década de 80, em consequência da política de reagan e da perestroika, era a vez da queda dos regimes comunistas da europa oriental, seguida pela fragmentação da própria união soviética. depois em 1994, chegaria o fim do regime minoritário branco da áfrica do sul.

apesar dos conflitos dos balcãs e dos grandes lagos, do macroterrorismo da al-qaeda e das guerras do afeganistão e do iraque, a vaga continuou com a queda de sucessivos ‘homens fortes’.

dois tipos de regimes não democráticos sobreviviam: os inspirados no marxismo-leninismo e as autocracias tradicionais islâmicas (como a arábia saudita e a clerocracia iraniana).

os cépticos anti-fukuyama, como s.p. huntington, sempre insistiram em que as democracias constitucionais funcionariam basicamente naqueles espaços que eram cristãos e tinham tido uma experiência constitucional no século xix e criado uma sociedade civil, como era o caso da europa e das américas.

os factos parecem voltar a dar-lhes razão: além do claro impasse e recuo das instituições democráticas no magrebe e no oriente próximo, importantes estados como a república popular da china e a rússia de putin mostram-se pouco permeáveis ao modelo democrático.

na china, sob a liderança do novo presidente, xi jinping, o partido comunista distribuiu um texto conhecido como ‘documento n.º 9’, que aponta os ‘sete perigos’ subversivos, em termos de ideias e princípios, que a china enfrenta.

o primeiro é a ‘democracia constitucional ocidental’ e os outros têm a ver com o ideário implícito neste modelo – direitos humanos universais, independência dos media, neo-liberalismo… a difusão destes valores é contrária à liderança política do partido comunista. apesar das iniciais interpretações ‘liberais’ do novo líder, é claro que o nacionalismo e a autoridade do partido vão continuar a ser dominantes.

na rússia de putin, é também a personalização do poder e o nacionalismo populista que dominam. como na turquia, na hungria e em outros países da europa oriental e ex-comunista.

dificuldades para a tese de fukuyama.