Querem matar o colégio Militar?

Vestidas a rigor, de farda castanha escura, as primeiras 33 alunas cruzaram na passada quinta-feira os portões do Colégio Militar (CM), em Lisboa.

a instituição masculina, com 210 anos de história, está no centro da polémica aberta com a reforma do ensino militar deste governo. os antigos alunos do cm falam na morte anunciada de um sistema educativo único, que deu ao país cinco presidentes da república e um sem número de notáveis. o ministro da defesa, josé pedro aguiar-branco, diz que o actual modelo está esgotado e que não é possível manter os três colégios militares como os conhecemos.

a esmagadora maioria das raparigas do 5.º, 7.º e 10.º anos que ontem chegaram ao colégio do largo da luz vão, pela primeira vez, estudar numa instituição militar. as aulas começam oficialmente na segunda-feira, mas ontem foi dia de boas-vindas aos novos alunos e alunas. destas, apenas cinco vieram do instituto de odivelas (instituição feminina criada originalmente para as filhas dos militares), optando por ter já aulas no ensino misto.

será este o fim de todas as alunas do centenário instituto de odivelas, cujo encerramento foi anunciado por despacho do ministro, em abril.

mas o processo será lento. por agora, as quase 300 alunas internas e externas vão poder continuar a ter aulas na instituição – que tem características de ensino únicas, destacando-se habitualmente nos rankings nacionais pelas boas classificações. só quando for construído um novo edifício de internato nos terrenos do cm, orçado em 2,8 milhões de euros e previsto para o próximo ano lectivo, é que o colégio feminino fechará as portas.

também pela primeira vez, o cm terá este ano alunos no primeiro ciclo (1.º ao 4.º anos) e em regime de externato, pois até agora tinha apenas alunos internos (a partir do 5.º anos). as mudanças – que passam ainda por abrir os restantes anos de escolaridade ao regime de externato – têm por objectivo atrair novos estudantes.

governo escreve aos pais

o ministério da defesa invoca motivos económicos para a reforma das três instituições de ensino: cm, colégio de odivelas e pupilos do exército (que será transformado numa escola profissional). diz que os três colégios gastam anualmente 18 milhões de euros, tendo uma receita de apenas 3,6 milhões, e “os seus objectivos não são cumpridos”.

o governo justifica ainda a reforma com uma questão de princípio: o da igualdade de géneros. e insiste que não faz sentido a segregação por sexos, quando as forças armadas há muito que acolhem homens e mulheres. o gabinete de aguiar-branco está a preparar uma carta aos pais dos alunos das três instituições para explicar tudo isto.

mas os argumentos deixaram em estado de choque os antigos alunos das várias instituições. “sobrevivemos às invasões francesas, à primeira república, ao estado novo e ao 25 de abril. mas tenho dúvidas de que consigamos sobreviver a aguiar-branco” – diz antónio reffóios, presidente da associação dos antigos alunos do colégio militar.

a contestação ganhou força com a campanha publicitária lançada em horário nobre nas televisões e rádios, que ontem terminou. “querem matar o colégio militar porquê?” – perguntam no anúncio antigos alunos da instituição, como adriano moreira, rocha vieira ou josé fanha.

para reffóios, a reforma em curso – e que há vários anos anda a ser discutida – “é a morte de um modelo educativo” e do espírito de vivência do cm: “a racionalidade é o principal motivo desta reforma, mas os números são falsos e as percentagens fantasiosas”.

o mesmo argumento é usado pela associação de pais das alunas de odivelas, que tentaram travar o fecho do colégio com uma providência cautelar, à qual ainda aguardam resposta. “este é um colégio com características únicas e pelas quais os pais pagam mensalidades de 480 euros (externas) e de 600 euros (internas)” – explica paulo pereira, lembrando a maior carga lectiva das alunas de odivelas e as actividades extra-curriculares, que vão do hipismo à dança rítmica, e o aumento de candidaturas agora registado, praticamente o dobro das do ano anterior.

“mas as contas oficiais, que são deficitárias, não contabilizam os co-pagamentos das armas, que comparticipam a mensalidade das filhas dos seus membros”, acusa paulo pereira, considerando que bastaria que estes valores fossem tidos em conta e que odivelas tivesse mais 50 alunas “para as contas ficarem equilibradas”.

“vão acabar com o colégio de odivelas, contra tudo e contra todos. não vejo um final feliz”, argumenta.

fim da separação por sexo

a futura abertura de um internato misto no colégio militar, a partir do 7.º ano, é outro dos pontos mais polémicos da reforma.

“até admitimos o ensino misto. agora, ter alunos e alunas adolescentes a coabitar no colégio é totalmente disparatado” – defende reffóios, considerando que os relatórios em que a reforma das instituições se baseou recomendam “prudência” na forma como a junção dos colégios deve ser feita.

mas esta é exactamente uma das bandeiras do governo. a secretária de estado, berta cabral, orgulha-se mesmo de “fazer história” com a abertura da instituição a raparigas, argumentando que isso mesmo acontece nas mais reputadas congéneres estrangeiras e em todos os sectores de ensino em portugal. num artigo no dn, no passado dia 2, salientou que este ano “será extinta a ultima limitação de género da república portuguesa”, quando a primeira rapariga “se sentar num banco do cm”. o artigo valeu-lhe uma chuva de críticas de todos os quadrantes, incluindo do seu amigo social-democrata marcelo rebelo de sousa (cuja mãe estudou em odivelas), que o considerou “pouco feliz”.

os antigos alunos do cm ¬ vão agora pedir uma reunião ao primeiro-ministro. querem mostrar que, com mudanças de fundo na instituição, entre elas a abertura ao primeiro ciclo, que agora começou, é possível “rentabilizar o investimento no cm”. a redução do número de professores (actualmente há um docente para quatro alunos, quando no ensino público este rácio é de um para sete), campanhas de divulgação para atrair mais 100 alunos e o aluguer de instalações desportivas, são outras propostas para equilibrar as contas.

joana.f.costa@sol.pt