um homem de 80 anos, munido dos seus óculos e de muita irritação, tenta consultar o saldo de conta no multibanco. chama por um gestor de conta: «não consigo ver as minhas poupanças! onde estão? mandaram-nas para a grécia?». a frase, que ouvimos há dias, mostra como esta campanha foi feita de evitações. «chegar a casa e ver as poupanças é o desporto diário nacional alemão», dizia-nos michael k., 26 anos, consultor.
outro desporto: o das aritméticas coligatórias. poderá angela merkel manter a sua coligação com os liberais (fdp)? as contas complicam-se e estes, após a derrota nas eleições na baviera, no passado domingo, passaram de membros da coligação para representação zero no parlamento. se na baviera os fw (eleitores livres), dissidentes da csu bávara (sociais-cristãos, partido gémeo da cdu de merkel), terão para isto contribuído, nas eleições federais a afd (alternativa para a alemanha), que contorna os liberais pela direita com o seu programa anti-euro, poderá fazer o mesmo.
merkel, se o fdp cair a nível nacional como na baviera, pode ver-se assim forçada a fazer uma grande coligação com os sociais- democratas, o spd (o actual líder, peer steinbrück, foi ministro das finanças no seu primeiro governo); ou a uma coligação, exótica, com os verdes. «não chegará a mudar nada», afirma-nos anna b., 24 anos, parteira. ou os acordos serão secundários, defende daniel houet, franco-alemão, 40 anos, professor: «há um consenso silencioso entre governo e oposição sobre a actual crise financeira europeia. não só têm a mesma opinião, como partilham a mesma preocupação, não perturbar os paranóicos mercados financeiros. o importante vai-se passar depois, é uma característica do sistema eleitoral alemão». outro desporto nacional, portanto.
uma campanha alegre
foi política, a campanha? daniel pensa o oposto: «a política vai começar depois da eleição… os assuntos são tão complexos, que o eleitor comum tinha de ser distraído para que fugisse destes e pudesse consumir em paz».
jens b., 50 anos, consultor, também pensa que os temas mais importantes fugiram à discussão. que temas são esses? «o salário mínimo, cuidados de saúde», nota anna. jens aponta: «é preciso gastar muito mais em educação na alemanha (em percentagem gastamos muito pouco comparativamente ao resto da europa), há o desemprego jovem, e é preciso encontrar uma forma responsável de sair da crise – que seria dissolver a união ou dar à europa um governo central com os mesmos direitos para todos os países». daniel pergunta: «como europeus, não seria melhor enterrar as nossas democracias, e com elas as nossas ilusões igualitárias?».
ainda agosto corria, e já a imagem de merkel surgia nos cartazes do seu partido, cdu: «a alemanha é forte. e forte deve continuar». curiosamente, a palavra alemanha impunha-se sobre a figura de merkel, numa identificação que ressoa as representações românticas pré e pós-unificação alemã: a germania guerreira, entre estátua bélica romana e wagnerismo identitário. um gesto de campanha pretendido, que o uso do colar com as cores da alemanha no debate com steinbrück veio sublinhar. «merkel parecia exausta no debate» – como se estivesse a dizer «estou cansada de trabalhar para vós, mas continuo a fazê-lo».
uma campanha gestual?
curiosamente, três imagens que não estão em cartazes ocuparam a campanha: primeiro, o colar. depois, a fotografia do dedo médio levantado do líder do spd, peer steinbrück. o jornal süddeutsche zeitung fez-lhe uma entrevista à qual se podia apenas responder por gestos: a mais provocadora, «peer gafe, peer problema, peerlusconi – não precisa de se preocupar com estes nomes simpáticos, pois não?», recebeu a resposta que fez capa da revista. apesar de a equipa de campanha do social-democrata ter feito pressão para o jornal não publicar a foto, steinbrück fez questão de manter a resposta. «a pessoa de steinbrück é talvez o aspecto mais interessante da campanha», dizem-nos dois dos entrevistados. um deles, jens, acrescenta: «talvez seja demasiado seguro de si, mas é uma pessoa real, que pensa o que diz».
os cartazes mostram, porém, poucas ideias: «está na tua mão», (spd); «coragem para a verdade» e «euro: quem poupa, perde» (afd); «mais para as famílias» (cdu) são alguns dos exemplos. o fdp martela «só connosco», apelando ao voto útil para que se refaça a coligação. mas também insiste na dívida e em «mais mercado». alguns partidos tentam passar as suas mensagens: o die linke (esquerda) com textos mais extensos; os verdes colocam pessoas comuns com frases sobre as suas bandeiras: «eu não especulo com comida».
ao dedo de steinbrück opõe-se a imagem das mãos de merkel, o ‘losango’. «falou-se mais disto do que doutra coisa qualquer», ironiza daniel. um outro cartaz, da jud (a ‘jota’ da cdu) mais discreto, faz um intertexto com o «keep calm and carry on» (mantenha a calma e prossiga) que os britânicos usavam na ii guerra: «fique cool e vote na chanceler», trocando o símbolo da coroa inglesa pelo célebre losango: as mãos de merkel como símbolo da germania? as mãos não têm nenhum adorno – estão apenas num exercício simétrico. «ela não joga a carta feminista, mas a de uma cientista séria, cruzada com um tipo singular de emanze da ex-rda» aponta ulrike, 29 anos, curadora de arte (emanze é uma palavra alemã que indica uma mulher que age como um homem).
mas um dos sucessos está a ser o wahl-o-mat: não sabe em quem votar? responda a 30 perguntas no site, que lhe calculará qual o candidato mais perto das suas opiniões. um desporto útil para o voto útil.