lembrou-me os últimos tempos da guerra fria – e da união soviética – quando jimmy baker e eduard shevardnaze andavam pelo mundo a parar conflitos periféricos com vista à paz perpétua pós-guerra fria… vinte anos depois de muito conflito periférico, de muito massacre étnico, de muita vítima do macroterrorismo e antiterrorismo, esta aparição foi um ternurento ‘souvenir pieux’.
aparentemente, todos saem a ganhar, começando pelos protagonistas do arranjo. putin traz moscovo de regresso à cena mundial, emparelha com os americanos, modera-os, aguenta um aliado difícil, diz coisas realistas, marca pontos ao enfrentar a hegemonia de washington. obama, depois dos erráticos diz e não diz e diz que faz e não faz e de uma linha vermelha que não era assim tão linha ou tão vermelha e de pedir o apoio do congresso para uma intervenção contrária à carta das nações unidas, depois de tantas voltas e reviravoltas, encontrou uma ponte de prata: livra-se de uma intervenção político-militarmente incerta e livra os aliados ingleses e franceses que podem sair à socapa com o irmão maior, todos a dizerem que, graças à pressão militar, tiveram uma vitória diplomática.
sauditas, turcos e emirados, e até israel, apesar de favoráveis ao ataque, temiam-lhe as consequências imediatas. as consequências estão lá, mas podem esperar.
assad ganha tempo, adia a queda final que os ataques poderiam precipitar (um tomahawk podia mesmo acertar-lhe no bunker familiar). com a natural celeridade e eficácia das inspecções internacionais vai ter tempo de sobra para continuar a liquidar os seus opositores, desde que o faça com armas convencionais…
os opositores – os rebeldes sírios – são os mais prejudicados pela decisão. mas, para os tranquilizar à boa maneira idealista do ‘excepcionalismo americano’ invocado por obama, é natural que este lhes suba a ajuda. os russos farão o mesmo a assad.
outra perspectiva menos optimista: obama mostrou hesitação, incoerência, indecisão, num tema e numa área – armas de destruição maciça e médio oriente – em que se espera decisão rápida. o recurso ao congresso, a paralisação depois da solene invocação da ‘linha vermelha’, não lhe fica muito bem.
os aliados sauditas e israelitas já sabem com o que contam (ou não contam); e os inimigos – o irão, o iraque, a síria – também. a oposição armada síria fica frustrada e, com certeza, os seus elementos mais radicais têm aqui um argumento poderoso para não confiar nos ocidentais e radicalizarem-se na substância e na forma. também não lhes vai faltar apoio.