Creches privadas fazem queixa à troika

Creches e jardins de infância privados estão a fechar portas e acusam o Estado de promover “concorrência desleal” com as IPSS, que recebem por cada criança acolhida. Este ano, os apoios atingem 455 milhões de euros.

as creches privadas escreveram à missão da troika, que está em portugal a avaliar o cumprimento do memorando, acusando o estado de violar a lei pela forma “discriminatória” como financia as instituições que educam crianças até aos seis anos.

na carta, a associação de creches e pequenos estabelecimentos de ensino privado (acpeep) alega que o estado beneficia as creches e jardins de infância das misericórdias, mutualidades e de outras instituições de solidariedade social (ipss) – que este ano receberão mais de 455 milhões de euros de apoios, fazendo tábua rasa da lei, que determina a gratuitidade do pré-escolar para todos, públicos ou privados.

“esta situação é ilegal, de uma flagrante injustiça e provoca concorrência desleal”, acusa josé prata da conceição, dirigente da acpeep, que na semana passada fez também chegar o protesto a passos coelho e aos ministros da educação e da solidariedade.

o estado paga 245 euros mensais por cada criança nas creches das ipss, independentemente dos rendimentos dos pais. e as instituições cobram uma mensalidade à família, que é calculada pelo escalão de irs. “já para os privados, o apoio estatal é zero, mesmo que as crianças até aos três anos venham de famílias desfavorecidas, sendo os pais obrigados a pagar as mensalidades, que rondam os 250 euros”, diz.

o cenário repete-se nos jardins de infância, que acolhem meninos a partir dos três anos, apesar de a lei-quadro da educação estabelecer que a componente educativa e sócio-educativa é gratuita em todo o pré-escolar – uma matéria para a qual o provedor de justiça já alertara o estado há mais de dez anos, dando razão às queixas dos privados.

apesar das recomendações, está tudo na mesma. “as ipss chegam a receber 223 euros por aluno” em jardins de infância, alega o dirigente. “já nos particulares, esse valor não vai além dos 90 euros e apenas nos casos de maior carência económica”.

discriminação dos mais pobres

por isso, as contas da acpeep, mostram que os gastos do estado com as ipss são o triplo dos do privado (ver quadro). já nas zonas onde não há oferta pública, o estado, através da segurança social ou da educação, faz contratos com os colégios para garantir o acolhimento das crianças.

a desigualdade de financiamento no pré-escolar tem tido efeitos perversos, alertam os privados, que defendem que os apoios devem ser idênticos entre instituições e atribuídos directamente às famílias.

a associação denuncia a discriminação dos mais pobres, com muitas ipss a optarem por acolher crianças que lhes garantem também uma mensalidade. e a lei permite-o porque as instituições de solidariedade são livres de definir os critérios de admissão.

o director de um jardim de infância privado do barreiro (que pediu para não ser identificado) conhece bem esta realidade. “durante quatro anos, acolhi gratuitamente e a pedido de um assistente social três crianças que não tinham lugar nas ipss”, contou ao sol o responsável da instituição, que se prepara para fechar as portas. “em 2000, o estado deu-me apoios para abrir o jardim de infância. agora, é o aumento da oferta pública e a concorrência desleal das ipss que o condenaram”.

83% dos bebés em ipss

o número de bebés e crianças em creches e jardins de infância das ipss tem vindo a crescer nos últimos anos, graças ao aumento da oferta e dos apoios públicos. dos mais de 90 mil bebés este ano em creches, 75 mil frequentavam uma ipss (83%). e dos 17.500 meninos dos três aos seis anos, quase 13 mil (74%) optaram pelo pré-escolar público (74%), revelam dados de 2011. dos 4.700 no privado, a esmagadora maioria (97%) estava em jardins das ipss.

“estamos a viver uma situação dramática”, admite prata da conceição, que prevê que encerrem este ano mais de 10 % dos jardins de infância privados.

entre os que em julho fecharam as portas está o colégio d. pedro v, em algueirão (sintra). “chegámos a ter 150 alunos no pré-escolar e básico, mas de ano para ano perdemos estudantes. em julho, já só havia oito inscrições. era incomportável”, disse ao sol júlia martins, à frente deste projecto há 18 anos e que se vê agora obrigada a despedir os sete funcionários.

o boom de oferta pública na zona e a desigualdade de apoios para investimento na construção face às ipss condenaram o colégio, que ainda está a braços com 50 mil euros de dívidas dos pais.

nem o ministério da educação, nem o ministério da solidariedade conseguiram responder a tempo às questões colocadas pelo sol.

joana.f.costa@sol.pt