aos 16 anos, joão sousa partilhava um apartamento em barcelona com outros dois tenistas. a mãe, bancária em guimarães, visitava-o para assegurar que tinha uma alimentação digna de um desportista profissional. “ela aproveitava para lhe preparar comida suficiente para um mês. deixava tudo dividido em tupperwares”, conta ao sol armando sousa, o pai do primeiro tenista português a vencer um torneio do circuito profissional.
os custos da aventura em espanha pesaram na carteira dos pais, que ainda assim faziam-se muitas vezes à estrada para matar saudades. “pensava que ele ia voltar a casa ao fim de 15 dias, com saudades da família e dos amigos, mas nunca desistiu do seu sonho”, salienta armando sousa.
oito anos depois, o jovem natural da cidade berço ainda reside na catalunha e a decisão não podia ter-se revelado mais acertada. no último domingo, joão sousa venceu o torneio atp de kuala lumpur, na malásia, e ascendeu aos 24 anos a 51.º do ranking mundial, a melhor classificação de sempre de um português.
os treinos na sala de jantar
o gosto pelo ténis chegou logo aos sete anos, muito por culpa do pai, que ainda hoje se queixa que o filho não lhe largava a raqueta. “levava-o para o clube onde eu jogava e ele pegava-me na raqueta, brincava e batia bolas contra a parede, até que tive de o pôr a ter aulas”, relata o magistrado de profissão, antigo campeão nacional de veteranos pelo clube de ténis de guimarães.
mas as aulas não eram suficientes para satisfazer o ímpeto do pequeno joão e os treinos continuavam em casa. “lembro-me que tinha uma sala de 60 m2, com apenas uma mesa de jantar no meio, e como havia muito espaço ele dava-me cabo do tecto do apartamento a bater bolas contra a parede”, recorda armando sousa, que entre risos elogia a pontaria do filho: “nunca chegou a partir nada dentro de casa, já tinha um bom timming”.
na adolescência, joão sousa via o ténis de uma maneira simples: se o opositor conseguisse devolver a bola, a seguir tinha de o obrigar a errar. mas o ideal era que a discussão do ponto não chegasse tão longe. “podia ganhar um set por 6-0, mas se o adversário tocava na bola achava que não estava a jogar bem”, exemplifica o pai.
perfeccionista, o número um nacional nunca dá um ponto por perdido. desde tenra idade que se mostrou determinado a superar os seus objectivos. “em miúdo já demonstrava uma enorme capacidade de luta e não gostava de perder nem a feijões. o ar dele de guerreiro saltava à vista. é um lutador, não admite o erro”, diz ao sol pedro cordeiro, seleccionador nacional da modalidade, que se lembra de o ver em torneios jovens.
quando completou 14 anos, joão sousa desistiu de uma carreira na área da saúde e decidiu seguir as pisadas do ídolo rafael nadal. aconselhado pelo pai, emigrou para barcelona – por falta de condições de treino e de jogadores experientes com quem competir –, onde começou por residir em instalações da federação catalã de ténis. um ano depois, passou a treinar na academia btt (barcelona total tennis).
os frutos da aposta vão aparecendo. esta semana, protagonizou a maior subida no top-100 do ranking atp. chegou à malásia na 77.ª posição e saiu à porta do top-50. nunca um tenista português tinha batido um rival tão bem cotado, como aconteceu nos quartos-de-final frente ao espanhol david ferrer, número quatro do mundo. e no jogo do título derrotou o francês julien benneteau (33.º do mundo) após salvar um match-point.
armando sousa diz que não é motivo para festejar: ”não foi uma vitória muito grande. o joão tem consciência que ganhou um torneio que estava ao seu alcance”. certo é que o filho arrecadou 117 mil euros de prize money e os tempos de escolher a ementa pelos tupperwares da mãe ficaram para trás.
