Portugal volta a copiar Irlanda

Portugal deixa dívida pública subir até quase 130% para criar verba de segurança contra “os humores do mercado”. Estado cativa 13,8 mil milhões, o suficiente para viver seis meses sem a troika ou evitar seis a sete emissões de dívida. Seis mil milhões da banca podem ser reserva adicional.

portugal quer continuar a seguir os passos da irlanda. depois da negociação conjunta dos juros iniciais do resgate em 2011, do prolongamento das maturidades dos empréstimos este ano, agora é a estratégia de saída da troika que lisboa quer ‘copiar’ de dublin.

o governo revelou esta semana que a estratégia de gestão do tesouro passa a ser o reforço da ‘almofada’ financeira do estado em detrimento da redução da dívida pública. no documento de défices excessivos enviado a bruxelas, lisboa reviu em alta a meta da dívida pública para este ano de 122% do pib acordados com a troika para 127,8%. este acréscimo de 10 mil milhões de euros fixa o novo máximo de endividamento do estado em 211 mil milhões, nível que era apenas esperado em 2015 ou 2016, quando a economia estivesse a crescer 2% ao ano.

a opção das finanças de aumentar o saldo dos depósitos do tesouro para níveis historicamente elevados é semelhante à da irlanda na sua estratégia de sair da troika e aceder ao programa cautelar, ao mesmo tempo que se protege dos “humores do mercado” descreve ao sol, filipe garcia, da gestora imf.

dublin, que termina o seu resgate em dezembro, ‘guardou’ em depósitos 25 mil milhões de euros, quatro vezes a verba habitual. esta é suficiente para ter as suas necessidades de financiamento cobertas em 2014 e anunciar ainda a suspensão das suas emissões de dívida até fevereiro.

segundo os dados das finanças, portugal deverá fechar o ano com 13,8 mil milhões de euros em depósitos (8,4% do pib). esta verba é suficiente para acomodar para já os 8,2 mil milhões de euros que o país precisa de levantar no mercado em 2014, segundo dados do igcp. dá ainda alguma margem de manobra ao governo para financiar algum desvio no défice orçamental de 4% esse ano por eventuais chumbos a medidas do oe2014.

explicar a estratégia

filipe garcia refere que a criação deste balão de oxigénio equivalente a seis ou sete emissões de dívida pública “dá um grau de liberdade e um leque de opções maior” ao país na gestão financeira. “é uma forma de comprar tempo e opções” acrescenta. já joão césar das neves refere que a estratégia é “uma proposta mediática”, alertando “que a dinâmica de subida da dívida é o mais importante para os investidores”.

paula carvalho, economista-chefe do bpi, adianta que a estratégia de criar uma reserva financeira em detrimento da redução de dívida pública pode resultar se for bem explicada aos mercados – o governo fez um périplo recente pelas agências de rating a fim de evitar a descida da sua classificação. a penalização pela subida da dívida pública só será feita pelos investidores “com análises mais superficiais”, diz a imf.

ainda assim, a evolução da dívida pública portuguesa continua fortemente pressionada. entre janeiro e agosto, esta subiu a um ritmo de 1,5 mil milhões de euros por mês, segundo dados do igcp. em 2014, o eurostat vai obrigar à contabilização de diversas empresas públicas no perímetro da dívida pública que poderá fazer subir o endividamento em 5,5 mil milhões de euros, de acordo com cálculos do conselho das finanças públicas.

no próximo ano, o governo pode ainda receber um ‘bónus’ extra que pode acrescentar à sua reserva de 14 mil milhões de euros. a troika ainda não decidiu que destino dar aos 6,4 mil milhões de euros que restam da linha de 12 mil milhões de apoio à banca caso não sejam utilizados.

luis.goncalves@sol.pt