eva mendes, de 39 anos, é uma actriz descomplexada, sem receio de tratar as coisas pelos seus nomes verdadeiros. seja a falar de si própria, das suas raízes humildes, do estatuto de estrela ou da sensualidade que normalmente irradia nos seus filmes.
a sua personagem em como um trovão, o filme que estreou recentemente, escapa no entanto ao estereótipo da latina sensual. eva conseguiu convencer o realizador derek cianfrance a confiar-lhe o papel justamente ao apresentar-se sem maquilhagem, como uma mulher comum e falando-lhe no seu passado difícil. afinal de contas, recuperando um pouco da sua própria história de vida.
está quase irreconhecível em como um trovão. como chegou a este projecto?
basicamente, fui atrás do derek [cianfrance, o realizador] e não o larguei enquanto não me escolheu. apareci completamente sem maquilhagem, com o cabelo um pouco estragado e roupa pouco cuidada. ele quase não me reconheceu. já tinha gostado imenso do blue valentine – só tu e eu, é claro, e disse-lhe que estaria disponível para qualquer coisa que ele fizesse.
é verdade que o levou a mostrar os bairros mais duros de los angeles?
sim. como estávamos em los angeles, perguntei-lhe ser queria ir comigo ver onde eu morara.
e onde morou em la?
em silverlake e echo park. mostrei-lhe as primeiras casas em que vivi, tal como a minha escola. foi um momento muito pessoal. falámos sobre a minha vida e ele percebeu as semelhanças entre mim e a personagem.
no caso, uma mãe solteira. sentiu afinidades com a personagem?
senti, não propriamente como mãe solteira, mas como membro de uma família de origem cubana com dificuldades. a minha mãe sim, foi uma sobrevivente.
transportou então todo esse peso para a sua personagem…
completamente. ainda que a primeira parte do filme seja duríssima, pois, numa altura em que já vivo com outra pessoa, tenho de enfrentar a personagem do ryan gosling, um tipo imaturo com quem tinha tido uma relação que originou um filho. o problema é quando ele, o pai biológico, entra na equação…
como foi trabalhar com o ryan?
somos amigos e há muito tempo que queríamos trabalhar juntos. ele é um actor extraordinário. trabalhar com o ryan é viver um incrível espírito de equipa.
sentiu que o derek vos deu espaço para criarem as vossas personagens?
claro, ele é o capitão do navio, mas o que ele gosta é de criar atmosferas. seja passando o tempo que for preciso na casa que será minha no filme, seja a andar no carro que será o meu ou até ficando o mais possível com o bebé que iria fazer de meu filho. felizmente, os pais foram impecáveis.
este é um filme sobre sonhos e sonhos desfeitos. lembra-se de algo na sua vida com esse perfil?
os meus sonhos eram sempre sobre salvar a minha mãe, poder pagar-lhe as contas, dar-lhe uma casa. felizmente, já pude fazer isso.
lembra-se de quando começou a despertar o seu interesse pela representação?
eu tinha 23 anos quando comecei, o que é bastante tarde para uma actriz. quando estava a estudar pensava que poderia tirar o curso de história de arte, só que entretanto conheci um agente que acabou por definir o meu rumo.
é uma actriz muito versátil. o que a atrai mais quando vai fazer um filme?
é trabalhar com o realizador. e com os actores, claro. mas é realmente o realizador que tem uma visão e nos permite explorar algo de nós próprios.
o que significa para si representar?
para mim, representar é como ir ao ginásio. só que é muito mais divertido!
no filme praticamente não usa maquilhagem. isso não a deixou desconfortável?
antes de tudo sou uma actriz. é a minha profissão, algo que adoro. e há muitos filmes em que não uso maquilhagem.
ao fazer um papel destes, custa-lhe deixar de lado o glamour e fazer uma vida normal?
a verdade é que normalmente ando com muito pouco glamour. isso acontece em muitos filmes. como neste, por exemplo, mas há outros casos com o filme de werner herzog, polícia sem lei, ou no filme de james gray, com o joaquin phoenix, nós controlamos a noite. em todos eles fiz muitas cenas sem maquilhagem.
embora não seja essa a imagem que as pessoa imaginam de si…
é claro que quando desfilo numa passadeira vermelha ou faço publicidade para uma marca tenho de me arranjar, pois trata-se de vender um filme ou um perfume, mas quando estou a trabalhar, muitas vezes ando desmaquilhada.
é verdade que em criança queria ser freira?
[risos] meus deus, agora fazem-me sempre essa pergunta. mas há um pouco de exagero. tinha apenas cinco anos quando disse que queria ser freira. mas durou pouco tempo. como vivi sempre com muitas dificuldades, queria ajudar a minha mãe. quando a minha irmã me disse que, sendo freira, dificilmente poderia ajudar a minha mãe, que não poderia pagar as contas da mãe nem comprar-lhe uma casa, desisti de imediato…
o que sente por ser uma das mulheres mais desejadas da sua geração?
sinto que é um exagero.
mas percebe-se que não tem problemas em fazer uma cena escaldante…
talvez não seja bem assim. quando me comprometo com alguma coisa vou até ao final. aconteça o que acontecer. foi o que sucedeu em alguns filmes.
e também é assim na sua vida sentimental?
sim, quando gosto de alguém demonstro-o. não sou aquele tipo de sedutora de biquíni a seduzir a sua presa…
disse há pouco que a sua família tem origens cubanas, não é verdade?
sim, recuando ainda mais, tenho uma costela espanhola, do lado dos meus bisavós, que foram para cuba. mas nasci nos eua.
parece encarar com grande naturalidade as cenas eróticas. tem algum segredo?
sou uma actriz com formação. estudei 11 anos e tenho técnicas específicas que me ajudam em cada cena. adopto estratégias para os momentos românticos, por exemplo, que combinam com o resto da performance. preparo diversos exercícios para cada caso.
em 2008 um anúncio que fez para um perfume da calvin klein foi censurado. acha que se tratou de puro conservadorismo?
a proibição desse anúncio é uma prova de que o problema existe. mas temos tantas liberdades que não seria correcto queixar-me quando o resto do mundo está no estado em que está.
receia que o público masculino a veja mais como uma ‘estampa’ nas capas de revista do que como uma actriz?
desde que pensem em mim, não há problema… [risos] não os posso censurar, mas penso que isso será a excepção e não a regra. creio que a maioria dos homens me conhecerá pelos meus filmes.
gosta de ser famosa?
sim, gosto de ser famosa, sobretudo porque me permite ter mais escolhas. mas não gosto do que a fama faz a certas pessoas. por exemplo, não sou o tipo de rapariga que vai para as festas e tem um batalhão de fotógrafos à espera. vou onde acho que devo ir.