Cuidado com as profecias

Em 1910, Norman Angell publicou The Great Illusion, um livro que muito rapidamente se tornaria famoso.

era uma profecia positiva, baseada não numa fé cega e desafiadora num deus transcendente ou numa crença messiânica, mas que apelava para a racionalidade económica, para a evidência dos interesses, para a conjuntura daqueles anos áureos da indústria, do comércio e dos impérios europeus. tudo para concluir que «a crescente interdependência económica entre as nações tornará a guerra uma coisa do passado».

the great illusion foi um sucesso: em poucos meses a obra vendeu milhões de exemplares, foi traduzida em 25 línguas e teve recensões entusiásticas na grã-bretanha, nos estados unidos, na frança e na alemanha.

quatro anos após a ‘angellica’ profecia sair a público, a europa entrava na mais sangrenta das guerras e nas esburacadas planícies da flandres centenas de milhares de jovens ingleses, alemães, franceses e norte-americanos morriam e matavam comandados pela irracionalidade dos políticos e pela desumanidade e estupidez táctica dos chefes militares.

angell era um tipo especial. nascera em 1872, numa família da burguesia do lincolnshire, estudara em frança e partira para a califórnia onde se estabelecera e publicara os primeiros textos. nestes mostrara-se, económica e politicamente, um convicto internacionalista e um inimigo do nacionalismo e do militarismo.

o núcleo central do the great illusion era que a interdependência económica e financeira das nações fazia a guerra irracional, por contraditória com a prosperidade. se uma parte da dívida pública inglesa estava nas mãos dos alemães, que ganhariam os ingleses em vencer a alemanha? e porque iriam os alemães atacar os interesses ingleses, arriscando-se a não receber os juros da dívida? fascinado pelas variáveis económicas – mercados, dinheiros, juros, comércio internacional – angell pensava que os interesses actuariam sobre os agentes políticos, domesticando as paixões e modificando os comportamentos no sentido da paz e da concórdia perpétuas.

duas guerras em que os europeus e o resto do mundo se massacrariam destruindo finanças, indústrias e comércio, iriam pôr em questão estas profecias. mas angell mostrou-se progressivamente mais realista e logo a seguir à grande guerra foi, com john maynard keynes, um dos grandes críticos de versalhes, considerando que as imposições à alemanha poderiam ter, por desmedidas e iníquas, consequências trágicas e inesperadas. ganhou o nobel da paz em 1933, ano do triunfo de hitler.

desde o fim da guerra fria que temos várias repetições deste angelismo: fukuyama, claro, mas também walter wriston (antigo patrão do citicorp), com o crepúsculo da soberania em 1992; e thomas l. friedman, com a popular sentença que não era possível haver guerra entre dois países com a franchise mcdonald’s.

por sinal, na jugoslávia e sérvia havia cerca de 20 restaurantes mcdonald’s, desde 1988. é preciso cuidado com as profecias, sobretudo quando se ocupam do futuro…