Ordem dos Médicos define regras de não reanimação

Ordem define regras que deverão ser seguidas para uniformizar critérios de ressuscitação em doentes terminais. Ao fim de um ano, testamentos vitais são raros e estão por regulamentar.

a ordem dos médicos (om) quer que todos os hospitais sigam as mesmas regras quando decidem não reanimar um doente terminal. e para isso, aprovou um conjunto de orientações sobre as doenças incuráveis e situações em que os médicos devem optar por suspender os tratamentos. chamam-se “normas de não reanimação” e a ideia foi uniformizar as diferentes orientações que existiam em cada uma das unidades de saúde do país e que geravam, muitas vezes, conflitos éticos nos profissionais de saúde.

“são recomendações para situações considerados desproporcionadas, e que poderiam levar ao encarniçamento terapêutico”, explica o bastonário josé manuel silva, acrescentando que as normas aprovadas são as que asseguram “as melhores práticas médicas”.

o documento da om, aprovado no ano passado, vem ajudar médicos e família a tomarem uma decisão em fase terminal do doente. e, uma vez que pressupõem o consentimento do doente, estão a revelar-se uma ‘alternativa’ ao testamento vital que chega a conta gotas às unidades.

é que, apesar de desde agosto de 2012 ser permitido aos doentes fazerem num notário um testamento a explicar os tratamentos que querem ou não receber em fase terminal, a lei ainda não foi regulamentada e não foi criado o registo informático nacional que facilitaria o acesso dos utentes e clínicos ao documento.

“é raro os doentes fazerem testamento vital. e por isso este documento da ordem dos médicos é uma ferramenta muito útil “, explicou ao sol teresa brandão, intensivista do amadora sintra, referindo que é uma forma de ajudar os clínicos a actuar e a discutir com o seu utente o que fazer em casos irreversíveis “num processo que é sempre difícil para o médico, doente e a família”.

para a médica, a existência destas normas por escrito – em que o doente se estiver consciente assina a informar se quer ou não ser reanimado – permite ainda garantir o cumprimento da vontade dos próprios cidadãos.

para adultos e crianças

o documento aprovado pela om teve origem numa orientação interna do amadora sintra, que em 2011, começou a aplicar estas ‘normas de não reanimação’. “os especialistas em ética da ordem consideraram que o documento desse hospital reunia todos os requisitos exigidos pelas boas práticas”, esclarece o bastonário, dizendo que por isso decidiram aprová-lo como uma orientação a aplicar em todas as unidades.

em causa estão situações como as insuficiências cardíaca ou respiratória terminais com falência dos órgãos irreversível, doenças neurológicas graves em estado vegetativo, cancros em estado terminal, entre outras. e aplica-se tanto a adultos como a crianças.

na prática, define o momento em que o médico, com base no estado de saúde do doente, a sua idade e outros factores determina que já não vale a pena continuar a dar tratamento. o objectivo é, referem as orientações aprovadas pela ordem dos médicos, “garantir a dignidade do ser humano em todas as fases da vida, incluindo a terminal”.

‘é urgente regulamentar a lei’

enquanto estas regras ganham terreno nos hospitais, os testamentos vitais parecem nem existir. aliás, nem há dados fiáveis sobre o número de portugueses que já terão corrido ao notário para clarificar a sua vontade em receber tratamento. segundo o bastonário da ordem dos notários terão sido pouco mais de uma centena. ao hospital de s. joão, no porto, por exemplo, chegou no último ano apenas o caso de um doente com testamento vital. “são casos raros”, adiantou ao sol o presidente da comissão de ética, filipe almeida.

já o hospital da luz, em lisboa, e ao hospital do mar, no estoril – unidades privadas do grupo espírito santo – receberam no último ano uma dezena de doentes com o seu testamento vital. “são ainda raros os casos mas as disposições são cumpridas”, garantiu ao sol joão rebelo, director jurídico e vice-presidente da comissão de ética da luz.

para o presidente da associação portuguesa de bioética (apb), rui nunes, é “a falha de regulamentação da lei do testamento vital que tem impedido a sua generalização”.

o médico – que foi um dos promotores da lei – lamenta que uma questão aprovada “com consenso” no parlamento tenha perdido gás e diz que é fundamental haver uma definição clara das regras da lei e a criação do registo nacional, previsto no diploma.

o registo informático permitirá ao cidadão fazer directamente na net a declaração sobre os tratamentos que quer receber e que garantirá o acesso fácil dos médicos. “agora para ser eficaz numa situação de urgência ou o doente está consciente ou então tem de trazer a declaração de vontade no bolso”, alerta rui nunes.

joana.f.costa@sol.pt