Portugal corta mais no consumo

Retracção das famílias foi quase o dobro do total da economia e a mais elevada entre os países resgatados. Cortes previstos no OE2014 ameaçam nova travagem na componente com maior ‘peso’ no PIB.

entre os países resgatados pela troika, as famílias portuguesas foram as que mais retraíram o consumo quando confrontadas com medidas de austeridade ou uma crise económica, um sinal de que os novos cortes de rendimento no orçamento do estado para 2014, via pensões e salários, podem ameaçar a retoma no próximo ano.

segundo um documento do igcp – agência de gestão da tesouraria e da dívida pública, baseado em dados da comissão europeia, nos últimos cinco anos o ritmo de quebra do consumo privado em portugal foi quase o dobro da contracção do resto da economia. desde 2007, o consumo das famílias caiu 9,1% de forma acumulada, contra uma queda do pib de 5,7%. a economia portuguesa viu ‘evaporarem-se’ neste período cerca de 15 mil milhões de euros em consumo privado.

estes valores contrastam com os dos restantes países intervencionados pela troika. na irlanda e grécia, a queda do consumo e do pib seguiu ao mesmo ritmo, e em espanha os gastos reduziram-se ligeiramente acima do produto. itália, apesar de não resgatada, também entra na comparação: o consumo caiu abaixo da economia.

a ‘sensibilidade’ dos orçamentos das famílias portuguesas a cenários de cortes ou incerteza é assim superior à dos pares da periferia. com a austeridade e a incerteza resultantes da crise de 2008, e depois com o resgate da troika, as famílias nacionais cortaram a fundo na compra de bens duradouros e alimentares, que atingiu mínimos históricos. o rendimento foi retido e aplicado em poupança.

as famílias portuguesas cortaram quase 10% do seu consumo desde 2007, apesar de uma menor austeridade do que a sofrida pela irlanda e grécia. as medidas de ajustamento em portugal totalizaram até hoje 13% do pib contra 20% do pib na irlanda e grécia.

a maior apetência para cortar nos gastos é um problema que se agrava quando o consumo é a maior componente da economia portuguesa – segundo dados da comissão europeia, é responsável por 66% do pib. portugal é, a par da grécia, dos países periféricos cujas economias mais dependem do consumo. na irlanda, os gastos das famílias representam apenas 47% do pib e em espanha cerca de 58%.

com as medidas previstas para o oe2014 a atingirem de novo o rendimento disponível das famílias, o impacto na economia via consumo será negativo. na semana passada, o banco de portugal e o fundo monetário internacional reviram em alta as projecções para portugal, estimando um crescimento de 0,8% e 0,6% em 2014, suportado na melhoria das exportações e numa menor quebra do consumo privado. mas o conselho económico e social considerou que estas previsões são “de realização incerta” e o barclays estimou que portugal irá falhar as metas do défice no próximo ano.

luis.goncalves@sol.pt