Lixo

Há dias, um convidado de 78 anos sentiu-se mal num programa da tarde, da SIC.

estava a ser entrevistado por conceição lino quando começou a ter um acidente vascular cerebral. ninguém da produção nem a apresentadora acharam que se passava algo estranho com o senhor e continuaram alegremente o programa. há meses, na tvi, um concorrente num programa de dança caiu tão mal num ensaio que ficou em perigo de vida. não foi em directo, mas ninguém adiou a estreia do programa. as situações são diferentes mas revelam a mesma necessidade amoral de o espectáculo continuar. esta indiferença perante os acidentes comuns da vida é muito mais ofensiva do que qualquer reality show. a verdadeira trash tv é a que vive da conversa saloia e pornográfica sobre ‘sentimentos e afectos’, mas que não é capaz de reconhecer o sofrimento em directo. é a que não muda uma vírgula no alinhamento, nem que morra alguém nos ensaios. o que passará pela cabeça desta gente?

vale tudo

a embaixada dos emirados árabes construiu um barracão metálico e um elevador exterior a um centímetro da janela do palácio vizinho, no príncipe real, tapando portas e janelas alheias. a iniciativa nada diplomática foi divulgada na imprensa e medidas legais foram tomadas da parte do vizinho que viu a sua propriedade privada invadida. os cidadãos de lisboa fizeram queixa do ataque perpetrado não se sabe a que propósito contra um edifício que é património classificado numa zona protegida da cidade. até agora nada foi demolido. há duas possibilidades para haver esta apatia das autoridades perante um caso flagrante de construção ilegal. ou a embaixada tem um estatuto especial que lhe permite destruir o património local ou passámos a estar autorizados a fazer marquises onde quisermos. se calhar, passou a valer tudo, sem nos termos apercebido disso. se é assim, então vou só ali fechar um corredor externo do prédio. a zona é comum, mas não faz mal.

vida conjugal

talvez nos tenhamos tornado menos formais na escrita por causa da nossa actividade quer como autores ou leitores de blogues quer como participantes em redes sociais. não sei se aconteceu o que acabo de dizer. mas sei que dantes acreditava que era a única a viver o meu quotidiano. afinal há outros com as mesmíssimas experiências. apercebi-me desta evidência quando li um tweet da escritora canadiana kelly oxford, que ficou célebre precisamente por causa da sua participação no twitter. dizia ela que «o casamento é ouvires o teu marido a insultar e a gritar a scanners e impressoras de outra sala». quando li esta descrição não pude deixar de pensar nos milhões de mulheres que pensavam que eram as únicas a viver com uma pessoa excêntrica, além de irracional, que se irritava com máquinas. afinal, há uma canadiana a viver em los angeles que descreve uma realidade que, pela quantidade de retweets, percebo ser comum a tantas. ninguém está sozinho.

mestres

a parte da globalização de que mais gosto é a de podermos ver quase em simultâneo as séries boas de televisão que estreiam lá fora. agora podemos assistir a masters of sex, produzida pela showtime, baseada na história de william h. masters e virginia e. johnson e a sua investigação sobre a sexualidade no fim da década de 50. se o relatório kinsey escandalizou com as estatísticas da sexualidade nos estados unidos, masters e johnson revelaram a ignorância sobre as relações sexuais em geral e o corpo feminino em particular. numa sociedade puritana, só as prostitutas tinham uma ideia informada sobre os usos, as taras e os costumes da prática do sexo. a investigação e a metodologia polémica, o sexo em laboratório, acompanharam os tempos. as conclusões seriam conhecidas na aurora da revolução sexual dos anos 60. a realização e a interpretação de michael sheen e lizzy caplan são excelentes. a história está contada com delicadeza e bons diálogos.

amieira

nem sempre é possível trabalhar naquilo de que mais gostamos. e por vezes é difícil perceber o que gostamos mais de fazer. penso que a resposta está no que fazemos com dedicação e sempre que podemos. somos normalmente bons nos nossos passatempos, mas nem sempre somos capazes de tornar os nossos interesses numa actividade profissional. quando acontece, é dia de festa. a 13 de outubro foi lançada no mercado uma nova editora, a amieira, especializada em livros de fotografia. o projecto nasce de um gosto de toda a vida do seu director, manuel falcão, que anunciou a intenção de publicar três a quatro títulos por ano. a primeira obra é da autoria do fotojornalista luiz carvalho, autor do único programa de televisão sobre fotografia, chamado fotografia total, na tvi 24. ao correr do tempo é um livro tratado nas palminhas, com amor e ternura. a edição e impressão das fotografias prometem. quando se faz aquilo de que mais se gosta, não há como errar.