não é boa ideia questionar o cânone: ao mais leve toque não faltam as vozes que se levantam exaltadas. mas o que parece um passo arriscado também pode revelar-se um excelente golpe publicitário.
a polémica estalou no reino unido quando morrissey, o icónico e controverso líder dos the smiths, decidiu lançar uma autobiografia, o que, considerando os seus níveis de popularidade, prometia fazer correr rios de tinta. as barragens transbordaram quando se soube a chancela que ia publicar o livro: a penguin classics. a autobiografia editada esta semana contou com uma única sessão de autógrafos, também ela, controversa, por ter sido não em solo britânico, mas em gotemburgo, na suécia. morrissey figura agora nas estantes junto a platão, homero e henry james. e está a ser um sucesso de vendas e manchetes, tendo já chegado a número um da tabela e fazendo capas de jornais há uma semana.
mas como é que um ícone pop vivo chega a um catálogo tão selecto, que reúne as maiores obras de literatura mundiais, só publicando autores mortos há muito? ao que parece, porque pediu. há anos que o músico estava a trabalhar no livro e, em 2011, em entrevista à radio 4, afirmou que o manuscrito de quase 700 páginas estava concluído. e, quando questionado sobre quem o iria editar disse: “gostava de o fazer pela penguin, mas apenas se o publicarem nos clássicos […]. não vejo por que não – um clássico contemporâneo. quando se pensa no que é impresso hoje, e quando se olha para as autobiografias e como são vendidas, é constrangedor. é um acontecimento editorial, não um acontecimento literário”. na altura, a chancela não descartou a hipótese. “poderá ser publicado como um clássico da penguin porque é um clássico em potência”.
face à polémica – entre os fãs de morrissey, que defendem que as suas palavras sobre o amor e a solidão já são clássicas, e os que acham que a edição desta autobiografia diminui o valor da colecção –, a penguin diz apenas: “a maior parte das estrelas pop tem de morrer para obter o estatuto de ícone que morrissey alcançou em vida”.
certo é que as críticas estão divididas. no guardian pode ler-se que “morrissey é brilhante ao escrever sobre música pop, mas dedica demasiadas páginas a casos de tribunal”; para o observer, “brilhante num minuto, petulante num segundo, a autobiografia de morrissey é tão enlouquecedora quanto o próprio”; o telegraph, que lhe dá cinco estrelas, afirma que “é a melhor autobiografia musical escrita desde as crónicas de bob dylan”; já o independent define-a como um exercício de “monótono narcisismo com lamentos de pena de si próprio – morrissey vai sobreviver mas a penguin classics não”.
com estocadas anedóticas em figuras públicas como_david bowie (que lhe terá dito ‘tive tanto sexo e consumi tantas drogas que não sei como estou vivo’) ou erica cantona (sobre quem disse à time out ‘gosto muito dele desde que esteja calado’) e revelações como a de que a ‘primeira mulher’ por quem morrisey diz ter-se apaixonado foi jerry nolan, o baterista dos new york dolls, e a de ter tido uma relação de dois anos com o fotógrafo jake owen walters, o livro continua na ordem do dia. o músico esclarece: não se considera gay, mas “humanossexual”. uma coisa é certa: a autobiografia promete ser o livro mais vendido do natal. e o primeiro bestseller da penguin classics.