Rapto em segredo até à morte

O pescador que raptou a filha há nove anos já saiu da cadeia e diz ao SOL que ela está bem. Onde? Não revela. A história de um rapto que emocionou o país, mas que caiu no esquecimento.

preferiu a prisão a revelar onde se encontra a filha. sofia catarina andrade de oliveira tinha dois anos quando foi subtraída à mãe (maria irene fernandes andrade) pelo pai (luís oliveira da encarnação). foi a 22 de fevereiro de 2004. já lá vão mais de 9 anos. o nome de sofia, que terá actualmente 11 anos de idade, continua a constar da lista de desaparecidos da polícia judiciária.

a menina de olhos castanhos foi retirada pelo pai, por volta das 20h45, na casa da mãe, onde vivia, em câmara de lobos, na madeira. a vida de irene e luís há muito que se desfizera. o casal desentendeu-se no início de 2004 na cidade da horta (açores), para onde luís e a companheira foram viver depois de o pescador ter recebido um convite de trabalho. a falta de condições da casa onde residiam, nos açores, terá estado na origem da briga, tendo irene regressado à madeira com a filha.

em fevereiro de 2004 luís chegou dos açores, onde trabalhava na actividade piscatória, visitou a companheira em câmara de lobos, pediu-lhe para ver a filha e, nesse preciso momento, “arrancou-a” dos braços da mãe. no espaço de uma hora e meia desapareceu sem deixar rasto.

na fuga com a menor, o pai apanhou um táxi e, posteriormente, boleia de um familiar, tendo sido deixado a pé, com a filha, pelas 21h30, no caniço de baixo (no concelho de santa cruz, a dez quilómetros do funchal) onde residia uma irmã. “é normal que tenha sido visto no caniço de baixo onde tinha a minha irmã a viver. apanhei três meios de transporte diferentes para não dar pistas a ninguém”, confessou ao sol.

por volta das 23h30, o pai da criança deslocou-se à esquadra da psp de câmara de lobos, onde a mãe se encontrava a participar o desaparecimento da menor – altura em que luís já não trazia a filha consigo.

dois dias depois, luís encarnação voltou aos açores. o pescador foi detido na horta (açores) e jurou não revelar o paradeiro da menina. esteve no hospital, onde, para controlar a exaltação, lhe terão sido ministrados calmantes. depois viajou sob custódia para a madeira, onde ficou em prisão preventiva.

desde esse dia até hoje, guarda para si o destino da criança. não disse à psp, nem à pj, nem ao juiz de instrução nem ao colectivo de juízes, nem ao tribunal de júri que o condenou. os cinco anos e sete meses que passou na cadeia, sem direito a precária, não o vergaram. “eles beneficiam é os ladrões, foleiros e agarrados”, desabafou.

os relatórios à personalidade do arguido, as perícias ligadas à psiquiatria forense, o relatório social do então instituto de reinserção social (irs) apontavam o arguido como alguém preparado, psicológica e fisicamente, para qualquer pena que lhe viesse a ser aplicada.

já em março de 2004, o psiquiatra de coimbra, francisco santos costa, depois de fazer duas entrevistas ao arguido, apontava-o como uma figura impenetrável, com forte capacidade de resistência ao sofrimento e à dor. o seu modo de vida (pescador), sem medo de enfrentar os perigos, a pouca instrução e o auto-controlo, fazem de luís encarnação um case study.

a 14 de julho de 2005, os juízes e os jurados do tribunal de vara mista do funchal condenaram luís encarnação a nove anos de prisão efectiva pela prática dos crimes de coacção na forma tentada, sequestro e subtracção de menores.

na leitura da sentença, celina nóbrega, a juíza presidente do colectivo, criticou o facto do pescador de câmara de lobos persistir “de forma obstinada” na recusa em revelar o destino que terá dado à sua filha sofia.

o advogado do arguido recorreu para o supremo tribunal de justiça (stj) e, a 1 de fevereiro de 2006, a pena baixou para seis anos e cinco meses de prisão. com um voto de vencido, caiu o crime de subtracção de menor e ficou apenas o de sequestro e coacção.

aquando do desaparecimento, a menina vestia uma camisola, com desenhos de flores de cor roxa, e umas calças, de cor cinzenta, com desenhos estampados, calçando meias brancas e vermelhas, sem sapatos.

e foi também sem sapatos – não os usa no dia-a-dia – que o sol encontrou luís encarnação, na cidade de câmara de lobos, perto da casa dos pais, onde vive. tem hoje 41 anos (nasceu a 09/10/1972), é divorciado e está integrado no mercado de trabalho. ou seja, vive do mar. ora da pesca à pota (semelhante à lula mas de tentáculos de menor tamanho) ora do peixe-espada-preto.

a vizinhança tem-no como alguém educado. trata os mais velhos por ‘senhor’. foi a educação que teve, justificou. mantém a versão de que a menina está bem e nem sob tortura revela o que quer que seja. “sou do tipo de pessoa que mantém-se firme até ao fim. mais nada”.

“quando a juíza de instrução disse-me para entregar a minha filha à mãe, disse-lhe que tinha filhos e que nenhum deles precisou do estado para comer. e mais uma: a minha filha estava nos açores. a mãe fugiu para a madeira. peguei na minha filha e levei. disse-lhe [à juíza de instrução] ‘nem tu nem mais ninguém me vai obrigar a dar a minha filha’”.

a desconfiança de luís encarnação continuou perante o tribunal de júri. “ainda por cima era tudo mulheres”, revela. até para responder às perguntas obrigatórias (identidade) mostrou resistência. “eles queriam saber como é que eu ‘bazei’ daqui para fora com a minha filha. isso não vou lhes dizer nunca”. “quando me apanharam já estava na ilha do faial, nos açores”, prosseguiu.

perante as autoridades policiais diz ter passado as passas do algarve. “tive um mês debaixo da pj. socos e pontapés. os meus interrogatórios eram feitos da meia noite às cinco ou seis da manhã. para quê? para agredir, torturar. fizeram tanta coisa”, desabafou.

luís encarnação deixou o estabelecimento prisional do funchal (epf) em julho de 2009 onde cumpriu 5/6 da pena que lhe foi aplicada. revelou bom comportamento enquanto esteve detido. saiu em liberdade condicional e está integrado no mercado de trabalho.

nem aos amigos mais íntimos revela o paradeiro de sofia. ao longo destes anos relata incoerentemente que a entregou a um familiar para cuidar dela ou que a deu a turistas, ou que pagou a gente de confiança para a criar e que quando morrer, o segredo vai com ele.

em tribunal afirmou que a “menina está bem”. e mais não disse. ao sol reiterou que a menina se encontra bem e tem maneiras de o saber. para a mãe da menina o sumiço é também um mistério até porque reconhece que o pai adorava a sofia.

sofia está viva ou morta? foi vendida? terá sido entregue por 500 euros aos cuidados de um casal de idosos? o mistério continua.

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