Viva a transparência

A classe política não quer saber da razão de Estado. Aliás as elites portuguesas não sabem o que é isso e, se lhes explicam, são contra.

os discursos ideológicos admitidos são dois: um que acredita na razão dos mercados, e que há uma mão invisível governando e equilibrando o mundo, desde que não a cortem ou amarrem. este discurso, geralmente tímido, e embrulhando a mão em várias luvas simpáticas e benfazejas, é o do empresariado que resta e de parte do governo que há.

contra este discurso liberal está – forte, intimidativo, entrincheirado nos partidos de esquerda e na versão patética dos seniores do ps – um discurso de correcção política, cheio de alusões simpáticas e humanitárias aos ‘direitos humanos’, que agora os ‘autênticos’ querem estender às galinhas, às couves e às próprias pedras da calçada. um discurso que parece estar sempre a enfrentar tiranos – sobretudo de direita, por que os outros nunca existiram – e todas as polícias do mundo, mais a inquisição e as respectivas fogueiras.

a consequência deste discurso ideológico dominante, que dos partidos e movimentos de esquerda passou aos ‘jornais de referência’ e depois à generalidade dos comentadores residentes ou espontâneos, é que qualquer consideração de realismo político, de interesse nacional e bem comum, de razão de estado (que, ficámos a saber, o eng. sócrates reprova depois dos estudos profundos a que se tem dedicado na cidade das luzes…) é inspirada por baixas razões crematísticas e deve ceder perante a virtude dos virtuosos humanitários.

o ‘caso rui machete’, independentemente da letra e contexto e até do fundo da questão – violação sob várias formas do segredo de justiça – serviu de pretexto para um linchamento público do ministro.

nesse linchamento público, alinharam os espontâneos de serviço, que não percebem ou não querem saber coisa nenhuma nem da justiça, nem de angola, nem de machete. mas uns detestam o governo e acham que esta é uma forma de o ‘fragilizarem’; outros sem tema para a coluna da semana usaram o mne para o ‘bei de tunes’; outros ainda, acham óptimo dar a conhecer a profunda democraticidade e humanismo das suas convicções e a coragem de enfrentar tiranias que estão longe e não lhes podem tocar.

alguém quis ou quer saber das questões de realpolitik e do interesse nacional? porque, ao arruinar progressivamente o país em nome das várias versões ideológicas de ‘abril’, a classe política abriu o caminho para o endividamento e a submissão aos credores de que agora se queixa. e angola é dos pouquíssimos países com o qual temos relações económicas vantajosas – cerca de cem mil portugueses que lá trabalham, centenas de milhões de euros de exportações, investimentos na economia nacional.

não querem saber. mas é bom saberem que um país em que não existe segredo de justiça e, qualquer dia, segredo bancário, é um país pouco convidativo, não só para os angolanos mas para quaisquer investidores. mas viva a transparência.