Rir e comer em Natal

A gastronomia e o humor marcaram o primeiro dia do IV Encontro de Escritores de Língua Portuguesa, promovido pela UCCLA e integrado no Festival Literário de Natal.

o primeiro dia do iv encontro de escritores de língua portuguesa em natal foi dedicado aos prazeres da vida: o humor e a gastronomia foram os temas sugeridos para as duas mesas que se realizaram na tenda dos escritores, colocada na praça em frente ao teatro alberto maranhão, no centro histórico da cidade.

ricardo araújo pereira e luís carlos patraquim aproveitaram a manhã para se debruçarem sobre o humor. “ o humor é a arma dos fracos. certo, porque os fracos não têm outras armas. mas também é a arma dos fortes, é através do humor que se menoriza o alvo”, disse o autor de boca do inferno, antes de se lançar numa breve história do humor na literatura, desde a bíblia a freud, passando por shakespeare e pela máxima atribuída a manuel da fonseca: “isto de estar vivo ainda um dia acaba mal”, que deixou a sala a rir.

já o moçambicano luís carlos patraquim foi contando alguns episódios anedóticos para depois, em tom mais sério, notar que, salvo algumas excepções, a literatura moçambicana não tem cultivado o humor. no entanto não deixou de salientar: “haverá humor na guerra? a guerra presta-se a tudo. os maputenses riem-se das próprias adversidades, o humor e a ironia estão presentes nas artes mas é na rua que reina a inventabilidade”.

o cabo-verdiano germano almeida, por seu lado, juntou os três temas propostos para o encontro (gastronomia, humor e erotismo) num mesmo texto, até porque, considera, são indissociáveis uns dos outros. “os prazeres da mesa estão desde sempre associados aos prazeres da cama, basta ver a bíblia ou o kamasutra. mas no meu país não me posso gabar desse matrimónio: somos abundantes em erotismo e humor. mas a comida escasseia”. e o angolano antónio fonseca, que referiu os livros de pepetela e manuel rui como bons exemplos para encontrar o humor e a sátira na literatura do seu país, notou: “o humor, tal como o entendemos em angola, serve para amenizar as agruras da vida”.

à tarde, foi a vez de josé carlos vasconcelos, afonso cruz e o angolano john bella se debruçarem sobre a gastronomia. o autor de jesus cristo bebia cerveja aproveitou para falar sobre aquele que é, para ele o néctar perfeito: “a cerveja, dizem, foi o motivo pelo qual nos sedentarizámos. a vida nómada dá menos trabalho. se o homem não tivesse parado não existiam prisões, não havia trabalho, escravidão, acumulação de riqueza. mas também não haveriam hospitais nem bibliotecas. por isso, não haveriam escritores se não houvesse cerveja”. depois, john bellas aproveitou para ligar a poesia angolana aos pratos típicos da região, alternando poemas de autores como ana paula tavares com receitas de funge e muamba. e josé carlos de vasconcelos deu uma verdadeira aula de literatura gastronómica de expressão portuguesa, começando em camões e terminando em saramago e lobo antunes, sem deixar de passar por nomes como gil vicente, jorge amado e fernando pessoa, numa autêntica viagem culinária pela literatura em língua portuguesa. “comida e bebida são fontes de cultura, riquezas do nosso património”. foi esse património que ontem se partilhou, ao longo do dia, na tenda dos escritores.

e hoje, a partir das 14h, a tenda promete aquecer: mário zambujal, alice de pina goretti, joão de melo, nuno camarneiro e celina de oliveira vão juntar-se para falar sobre literatura e erotismo, numa conversa que se deverá estender até às 18h.

rita.s.freire@sol.pt