em pleno parque de serralves, ergue-se um enorme cubo de pedra, suportado por uma gigantesca grua. sob a pedra, numa espécie de redoma de plástico, está uma colónia de cerca de 100.000 térmitas, que os visitantes podem observar a partir de uma câmara escavada no solo. os insectos passam assim de esmagados a esmagadores, num dos vários paradoxos proporcionados pelo brasileiro cildo meireles, na exposição inaugurada na quinta-feira, no museu de serralves, no porto, a par da mostra da fotógrafa palestiniana ahlam shibli.
«sempre me interessei por questões formais e estruturais, como o lugar do objecto de arte, a escala, a autoria, o seu lugar. elas sobrepõem-se à questão do discurso puro e simples, de superfície», afirmou ao sol o artista natural do rio de janeiro, onde nasceu há 65 anos. a partir dos anos 1960, tornou-se um dos protagonistas da arte contemporânea brasileira, redefinindo o conceito de arte conceptual, em que se valoriza mais a ideia do que o produto final.
além de nós formigas (instalação materializada pela primeira vez em serralves), cildo meireles desafia as percepções – não só visuais mas também sonoras, gustativas e térmicas – em obras como marulho e entrevendo. a primeira consiste num cais de madeira em que o mar é representado por 17.000 livros azuis e o som das ondas é composto pela palavra ‘água’ em todas as línguas vivas; a segunda implica entrar num túnel de madeira, munido de um ventilador com aquecedor, levando nas mãos duas peças de gelo diferentes: uma delas é doce, a outra é salgada.
arte política
muitas das obras de cildo meireles constituem comentários a conceitos de território e dominação: abertamente político, critica a ditadura militar brasileira e a cultura norte-americana (caso de amerikkka, em que um chão feito de 20 mil ovos de madeira tem como céu 76 mil balas).
o brasileiro consegue assim ser até mais cáustico do que a palestiniana ahlam shibli, que, como seria de esperar, não foge ao tema do conflito com israel. porém, aborda a questão através de alguns ângulos alternativos, como uma série de fotografias sobre orfanatos na polónia e a procura dessas crianças por um lar.
«mesmo quando não lido directamente com a questão palestiniana, pretendo apoiar o seu entendimento. é algo que me preocupa, o lar foi roubado aos palestinianos e quando vou fotografar na polónia é para perceber, como palestina, se precisamos de uma casa», explicou ao sol.
pela primeira vez em nome próprio em portugal, shibli expõe nove séries em que tanto revisita, sob um olhar tendencialmente neutro, os territórios ocupados na palestina e a forma como aí se representam os seus mártires – na série death, em estreia – como homossexuais e bissexuais da palestina, líbano ou somália.