em estalo novo (o quarto espectáculo da companhia maior, composta apenas por artistas seniores), os criadores convidados ana borralho e joão galante partiram das memórias dos elementos da companhia, “pessoas que eram maiores de idade no 25 de abril”. neste processo, porém, perceberam que os fantasmas do presente são, afinal, bem mais reais do que se pensa. e que o estado novo ressurge hoje disfarçado de democracia. “achava que pessoas que passaram por uma ditadura não teriam muito medo em falar e que achariam que não tinham nada a perder. mas não é bem assim, sentimos medo”, conta ana.
estalo novo leva-nos das gargalhadas às lágrimas, de mão dada com os protagonistas, à medida que cada um se aproxima da boca de cena para abrir os cacifos da memória. fala-se da condição feminina, de sexualidade, do cárcere, da morte, da perseguição, da guerra. “o que conto aqui seria incapaz de contar quando regressei da guerra na guiné”, desabafa carlos nery, enquanto acrescenta que a sua geração “já esteve na guerra, não deveria ter de suportar as asneiras dos políticos de hoje”.
há em estalo novo um constante vaivém. de histórias, que se entrecruzam e intercalam, e de tempos: do passado concluímos o presente, apenas para percebermos o quão comprometido está o futuro. é neste perturbador vaivém que se percebe que poucas coisas na vida serão tão libertadoras quanto a desobediência. e que não há idade para desobedecer.