Bárbara Gouveia mudou-se para um apartamento na travessa da Espera há cinco anos. Chegou mais por acaso do que por escolha, mas foi conquistada. Ficou. A produtora de televisão de 29 anos, natural do Porto, apaixonou-se pelo ambiente, pelas pessoas.
Margarida Oliveira, de 26 anos, responsável de comunicação, com quem Bárbara divide o apartamento, também foi conquistada: “Viver no Bairro Alto é muito fácil. É um sítio central, vive-se sem carro, os teus amigos param sempre aqui, é muito confortável se aprenderes a lidar com o barulho e com a agitação. No entanto, há um compromisso que é preciso assumir: se vens viver para o Bairro Alto, não podes, à partida, queixar-te do barulho. Sabes que ele vai existir, tens de habituar-te”.
Isto não invalida, contudo, que haja um truque para os dias mais difíceis. “Temos os contactos dos donos dos bares mais próximos. Se houver muito barulho, a Bárbara manda uma mensagem”, diz.
Bárbara explica: “Temos uma boa relação com os donos dos bares. Conhecem-nos, sabem que quando dizemos que há muito barulho há, de facto, muito barulho. Pedem desculpa e baixam a música. Com bom senso tudo se resolve”.
Aqui, dizem, as relações de vizinhança são fortes. Este bairro é mais bairro do que os outros.
“É sempre a dona Teresa, do andar de baixo, que nos empresta o escadote. Quando ela precisa de alguma coisa também vem cá. Já me aconteceu chegar da noite e dividir uma garrafa de vinho com os vizinhos do primeiro, que estavam à janela. A vizinha de cima deixava-me muitas vezes laranjas ou um bolinho. Mas nunca senti que se metessem na minha vida. Não existe demasiada proximidade, existe uma proximidade boa, que as pessoas mais velhas tentam manter, aproximando os mais jovens”, conta Bárbara.
As moradoras sentem-se “completamente seguras”, mas não viveriam aqui com uma família: “Não passa trânsito, o barulho… Imagino que quando tiver um filho quererei ter um pouco mais de tranquilidade”, conclui Bárbara.
Para quem olha para o bairro há uma vida, como Flora Ferreira, de 64 anos, e José Vital Ferreira, de 69, a perspectiva é outra. A este casal de moradores e comerciantes no bairro — são há 37 anos proprietários da que é hoje única alfaiataria na calçada do Combro — “o barulho da noite já não aquece nem arrefece”.
Os dois concordam também na ideia de que o bairro é hoje mais seguro e um sítio onde os moradores — “ainda que não como antigamente” — mantêm uma certa proximidade.
“O Bairro Alto antigamente era um bairro de má fama. Hoje está melhor, é mundialmente reconhecido, ninguém tem problema nenhum em passar aqui a qualquer hora. É um bairro para toda a gente”, conta José.
O comércio, esse, tem sofrido, “como todo o comércio tradicional”. Antigamente, recorda, “trabalhava aqui muita gente, o movimento era muito maior”, mas hoje “as pessoas vão aos centros comerciais”.
A família Amby — Kristian, 43 anos, tradutor, Marta, 44, maquilhadora, Mia, 13 anos, e Ema, oito — sente que a “vivência do bairro é semelhante à de uma aldeia”. As mais pequenas vivem na rua da Rosa desde que nasceram, Kristian e Marta desde os anos 90.
O preço das casas, que, embora tenha descido nos últimos anos, foi sempre mais elevado do que noutros bairros da capital, “não pesou o suficiente” para que o casal decidisse mudar-se quando a família começou a crescer. Marta explica que “estar no centro tem muitas vantagens. Há tudo e transportes para todo o lado”.
Mia é “bairrista”, diz o pai. Ela explica: “Eu gosto de viver aqui. Tenho tudo perto, a escola, os meus amigos todos, desde pequenina, não quero sair do bairro”.
Além disso, acrescenta o pai, “a proximidade entre todas as pessoas faz com que a família se sinta segura”.
Mas não é tudo bom. A crítica vem na voz da mais nova da família: “Não gosto nada do lixo nas ruas. Muitas vezes ao fim de semana de manhã quando saímos há lixo à porta do prédio e eu não gosto disso”.