Bairro Alto resistiu a todos os planos urbanísticos que tentaram mudá-lo

O Bairro Alto resistiu, ao longo de cinco séculos de existência, a todos os planos que quiseram mudá-lo e mantém, por isso, uma “impressão digital” — a sua singularidade — “que não se perde no mapa de Lisboa”.

“Um bairro com 500 anos de história só pode ter factos polémicos”, disse à agência Lusa o arquitecto Jorge Mangorrinha, professor na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, lembrando que algumas dessas polémicas ganharam forma na contestação aos diversos planos destinados a “reestruturar a configuração física e vivencial” do bairro.

O maior susto teve lugar em meados do século XX, sob o traço do arquitecto Cristino da Silva: “O município previu o rasgamento do bairro a meio, de alto a baixo, destruindo alguns quarteirões e remodelando outros”, contou o professor.

O plano foi “aquele que mais quis romper com o bairro em termos físicos e, consequentemente, em termos vivenciais. Propunha uma grande via entre a rua da Rosa e a rua da Atalaia e uma outra perpendicular, com a eliminação ou a transformação de quarteirões”, explicou o arquitecto.

O projecto, acrescentou, deve ser analisado à luz das ideias dos anos de 1950, “quando, à escala europeia, se defendia a demolição de certas zonas apertadas das cidades, em favor de novas acessibilidades internas”.

Tendo-se concretizado, explicou ainda Jorge Mangorrinha, o plano implicaria a chegada de novos residentes e seria responsável pelo fim do “carácter intimista” do bairro, que comemora 500 anos a 15 de Dezembro.

“Tudo se ficou pelas intenções, sem concretização. Imagine-se como terá reagido a população do bairro nestes tempos”, referiu.

Este não foi o único na história do bairro. Em 1888, por exemplo, podia ter “sofrido” com a ligação proposta pelo engenheiro municipal Ressano Garcia para ligar o Rato ao Campo de Santana.

No entanto, as inovações urbanísticas da Lisboa do final do século XIX “acabaram por salvaguardar a fisionomia dos velhos bairros”. A cidade cresceu para norte, a partir de dois eixos: avenida da Liberdade até ao Campo Grande e a então avenida Rainha D. Amélia (actual avenida Almirante Reis) em direcção ao Areeiro, e também em direcção aos aterros portuários que originariam a avenida 24 de Julho, “dotando a capital de uma nova dinâmica de crescimento”.

Na mesma época, recordou o arquitecto, “houve outro projecto que fez tremer a população” – tratava-se da primeira proposta de metropolitano para Lisboa, cujo projecto de linha previa um túnel rasgando o subsolo do bairro.

“A linha proposta previa 14 estações, das quais sete dispunham de elevadores verticais, ligando Alcântara ao Cais dos Soldados, passando pelo Rato, com quatro túneis (Lapa, Estrela, Bairro Alto e Castelo)”, indicou.

Mesmo mais recentemente há nota de polémicas deste tipo, como em 1994, quando Lisboa foi Capital Europeia da Cultura.

“Houve uma intervenção num percurso urbano tangente ao bairro, na chamada 7.ª colina, recuperando fachadas, essencialmente dando-lhes uma paleta de cores. Isso gerou discórdia”, disse.

Ainda hoje, concluiu Jorge Mangorrinha, a organização e a vida do bairro geram discussão, seja na limitação dos horários de abertura dos estabelecimentos comerciais, na colocação de câmaras de segurança ou no condicionamento do trânsito e do estacionamento.

Lusa/SOL