Outra explicação

Há dias, um homem ligou para o 112 e confessou dois crimes. Cinco anos depois do início da investigação policial dos homicídios de Alexandra Neno, de 34 anos, e de Diogo Ferreira, de 21, o autor dos crimes entregou-se às autoridades.

a imprensa falou de remorsos e as televisões convidaram psicólogos que se referiram ao grande mistério que é a condição humana. ninguém avançou com uma explicação sobre o que terá levado o homicida a confessar os crimes. admito que o arrependimento é uma força misteriosa para mim. pode ser verdade que o homem não suportasse viver com o seu segredo criminoso. mas pode ser igualmente verdadeiro que não aguentasse mais um dia do quotidiano relativamente mediano. ou até bastante difícil. não é que não acredite na possibilidade de uma pessoa precisar de se redimir. mas o homem matou duas pessoas à queima-roupa. algo me diz que se a vida lhe tivesse corrido melhor, este crime não teria tido pelo menos esta solução.

@herdyshepherd1

um artigo surpreendente na the atlantic levou-me a uma conta twitter que não conhecia. o autor é anónimo e, segundo o seu relato, trabalha no lake district, por onde william wordsworth terá andado. as montanhas e os grandes lagos são o modo de vida de @herdyshepherd1, um conservador e a última pessoa a quem a tecnologia sofisticada interessaria. até ao dia em que lhe ofereceram um iphone. a partir daí começou a experimentar a máquina fotográfica e a ficar maravilhado com a qualidade das imagens. depois descobriu que podia tornar a sua vida menos solitária e partilhar um pouco do seu mundo com outras pessoas. tem 16 mil seguidores a quem mostra montes e vales, ovelhas e cavalos e verde a perder de vista. diz que integrou o twitter no seu trabalho de pastoreio e que os minutos que ‘perde’ a falar com outras pessoas lhe dão coragem para continuar o dia. para que servem as redes sociais? talvez a resposta seja ainda mais simples do que pensamos.

24 horas de alegria

numa entrevista à gq, o rapper pharrell williams disse a respeito dos dois temas de sucesso em que participou – ‘blurred lines’, de robin thicke e ‘get lucky’, dos daft punk – que a vida é exigente e que às vezes «só precisamos de um postal de ânimo ou de dançar». a música que faz é de entretenimento, sem mensagem nem utilidade. é de consumo no presente e fica esgotada no passado. é, nesse sentido, jovem no aproveitamento avassalador do que acontece agora. a ideia para um vídeo que dura 24 horas pode sugerir o arrastamento absurdo de um tema pop. mas não é disso que 24hoursofhappy.com trata. ali temos um dia inteiro com a mesma canção a tocar, num modo de sessões contínuas, com diferentes imagens de bailarinos profissionais, cidadãos divertidos ou o próprio pharrell williams a dançar ao som de ‘happy’, enquanto anoitece ou amanhece. a ideia é encantadora, o tema é contagiante e dá vontade de estar o dia a ver quem vem dançar a seguir.

selfie, moi?

há pouco falei aqui sobre uma exposição de selfies, nome dado a auto-retratos feitos com smartphones e descarregados em redes sociais, como o instagram. ‘selfie’ foi considerada a palavra do ano de 2013 pelos dicionários oxford. como adverte silvia killinsgworth na revista the new yorker, é a edição online do dicionário, que absorve os neologismos, que faz a eleição, e não a edição clássica do oxford, que demora o seu tempo a fixar palavras novas. foram escritos centenas de artigos sobre selfies, desde o mais rebuscado de frank islam e ed crego, da secção de media do huffington post, em que se faz uma defesa entediante de selfless por oposição ao alegadamente narcísico selfie, até ao texto certeiro de rachel simmons, na slate. a autora refere que os auto-retratos são úteis às raparigas, porque são «lampejos de autoconfiança feminina». podem ajudá-las a terem uma relação menos stressante com a sua imagem. penso que tem toda a razão.

algemas invisíveis

o caso chocante das três mulheres mantidas em cativeiro durante trinta anos em londres por um casal imigrado no reino unido fez-me pensar no conto impressionante ‘the man who liked dickens’, de evelyn waugh. a scotland yard falou em «algemas invisíveis» para se referir ao que terá levado as três mulheres a não ousar a fuga durante tanto tempo. não sabemos se o casal de sexagenários tinha uma arma como o mr. mcmaster de waugh, mas foi sugerida a ideia de que havia uma forma subtil e poderosa de controlo emocional das três mulheres, de 60, 57 e 30 anos. o controlo psíquico faz deste caso uma situação diferente das habitualmente encontradas em crimes de tráfico de seres humanos. estas mulheres saíam de casa mas estavam presas por um medo impossível de denunciar. um documentário sobre casamentos forçados levou uma delas a reconhecer a sua própria condição de escrava. abençoado discernimento, que tardou mas não falhou. abençoada televisão.