Nadir Afonso, nome cimeiro na arte portuguesa

“A obra de arte não está na representação dos objectos._Por volta dos 17 ou 18 anos, pus-me a pensar que tinha de haver mais alguma coisa. E pensei, na minha ingénua idade, que a a alma, o espírito do artista, também era expresso. Mas como fui sempre coca-bichinhos, comecei a magicar que não era a…

pintor por vocação, arquitecto acidental, nadir afonso nasceu em 1920, em codeçais, perto de chaves. foi aos quatro anos que pintou o seu primeiro círculo, a vermelho, numa parede branca da casa familiar. mas só aos 18, depois de completar o liceu em chaves, se mudou para o porto, para se inscrever na escola superior de belas-artes. queria frequentar pintura, mas um funcionário aconselhou-o a escolher arquitectura, garante de um futuro económico confortável. arquitecto seria, mas a pintura estava-lhe gravada no sangue e nunca abandonou os pincéis e as telas.

foi com estas na mala que, em 1946, antes de acabar a tese, rumou a paris onde, com uma bolsa de estudo do governo francês, se matriculou no curso de pintura da école des beaux-arts. tentou vender as suas telas pelas galerias da rue de seine mas, quando foram recusadas, decidiu que seria pela arquitectura que se iria sustentar. não fez por menos: foi pedir trabalho no atelier de le corbusier. conseguiu e foi um dos primeiros colaboradores de corbusier em paris, que, pagando-lhe o ordenado por inteiro, lhe deixava as manhãs livres para a pintura. foi um projecto orientado por corbusier, aliás, que lhe serviu de base para a tese de conclusão do curso, em 1948.

em 1951, surge uma outra oportunidade: a de trabalhar com oscar niemeyer. aceita e vai para o brasil, onde, durante três anos, trabalha com o mestre. mas a pintura sempre foi uma paixão maior e, em 1965, decidiu dedicar-se apenas às telas. nesta altura a sua arte já estava bem cimentada. nadir tinha regressado a paris em 1954, onde expôs na galeria denise rené em 1956, e em colectivas com vasarely, herbin e mortensen, apresentando a sua primeira grande exposição antológica na parisiense maison des beaux-arts, em 1959. dois anos depois (e também em 1969), representa portugal na bienal de são paulo.

em 1967 recebeu o prémio nacional de pintura e, em 1969, o prémio amadeo de souza-cardoso. em 1970 tem uma retrospectiva do seu trabalho feita pela gulbenkian e exibida em paris e em lisboa, a que se seguiram várias exposições e homenagens. em 1984 é condecorado com o grau de oficial e, em 2010, de grande-oficial (da ordem militar de sant’iago da espada). doutor honoris causa pela universidade lusíada e autor de uma obra extensa, nadir afonso disse ao sol nunca ter tido a angústia da tela em branco. “no início, o raciocínio não intervém. o primeiro impulso é automático, arbitrário, não exige esforço. pego no lápis que me veio à mão e sai o que sair. à medida que vou acrescentando mais traços é que se vão criando relações matemáticas. depois o último traço é o diabo, porque está sujeito a toda a matemática interior da composição”.

podia demorar anos a dar por concluído um quadro. o que não era um problema. foi sempre nos espaços geométricos que nadir afonso encontrou a paz. “a geometria é um espectáculo de exactidão, mas também é muito emocionante. quando estou triste, não vejo televisão. pego num círculo e começo a olhar-lhe para o centro. ou a harmonizar um quadrado com um círculo. isso consola-me e acalma-me”.

rita.s.freire@sol.pt