Tectos a ruir e chuva nas salas de aula ameaçam fábrica de músicos

Na Escola de Música do Conservatório Nacional, no Bairro Alto, há tetos a ruir, infiltrações nas paredes e falta de espaço. Sobra o amor à música, traduzido em muitos prémios de alunos, para quem esta é uma casa mágica.

outrora dirigido por nomes como almeida garrett, vianna da motta, domingos bomtempo ou luís de freitas branco, o antigo convento dos caetanos, construído no século xvii e adaptado para albergar o conservatório em 1837, dá sinais da sua idade, mas principalmente da falta de obras, tendo as últimas sido realizadas nos anos 40.

“os riscos estão presentes num edifício antigo com infiltrações e um sistema eléctrico já muito deteriorado. no outro dia caiu-nos um teto inteiro”, contou à lusa a directora da escola.

ana mafalda pernão enumera os “muitos problemas físicos” da instituição: “tem um telhado que deixa entrar água, porque tem telhas partidas, barrotes com bicho, problemas derivados das infiltrações graves, salas onde cai água abundante quando chove, com tubos de queda partidos, porque o zinco não dura mais do que 30 anos”.

o estado do edifício não facilita a vida aos 940 alunos e 158 professores e prejudica, muito, os instrumentos valiosos que estão no seu interior.

os alunos “precisam de coisas como espaços para estar, refeitório em condições, um ginásio capaz, um espaço de recreio”, disse.

mas há outros problemas práticos com os instrumentos. “esta escola tem em cada sala pelo menos 10 mil euros, que é o valor do piano. não é preciso ir para a sala onde estão não sei quantos contrabaixos ou violoncelos, ou a que tem um cravo e um clavicórdio e uma espineta, ou a que tem harpas e mais umas pequeninas. em algumas salas podem estar mais de 100 mil euros” em instrumentos.

a degradação não agrada a ninguém, mas entristece especialmente os professores, como bruno cochat que ali lecciona há 12 anos.

“o espaço degradou-se ao ponto de não ter as condições ideais que uma escola de música precisa, mas também a royal academy não tinha e criaram, fizeram obras para isso”, contou à lusa.

o salão nobre é a grande dor de alma para estes músicos. com um dos dois órgãos [fora de igrejas] que existem no país, uma acústica inigualável e um teto pintado por josé malhoa, tem também alicerces a segurar um dos balcões, que a parede não suporta por causa das infiltrações.

neste espaço, que classificam de “mágico”, treinam os alunos, ensaiam os professores e assiste-se a espectáculos que mostram a arte aprendida.

mas a música está presente em todos os corredores, onde facilmente se encontram alunos a ensaiar, trazendo ao bairro alto compositores como beethoven, mozart ou bach.

“este edifício é mais um museu que uma escola. garrett esteve aqui. bomtempo esteve aqui. não houve muitas pessoas importantes que não tenham passado aqui. até liszt passou por aqui”, disse à lusa o violinista miguel erlich, 17 anos e há dez aluno nesta casa.

miguel erlich salienta a relação professor-aluno como a mais valia desta escola: “o professor é totalmente responsável pelo que fazemos e pela forma como nos ensina, é o professor que faz o nosso futuro”.

sobre a degradação, o aluno — que já arrecadou vários prémios — não esconde a tristeza.

“isto é mais uma casa do que uma escola e ninguém gosta de ter um quarto a cair, ninguém gosta de não poder ir para um determinado espaço porque chove lá dentro e, ainda por cima, esta escola já não tem muitas salas para estudar e perder uma sala é tirar horas de estudo a muita gente”, disse.

os pais dos alunos não são indiferentes à degradação do espaço onde os filhos estudam, que custa especialmente aos que também estudaram na instituição, como josé andrade, coordenador da orquestra gulbenkian.

“a minha passagem pelo conservatório musical foi fundamental para exercer as funções que exerço hoje em dia. tenho umas excelentes recordações desta casa. sempre teve e continua a ter uma magia muito especial”.

“é uma casa que sempre manteve na relação aluno professor aquela velha magia do mestre que nos ensina e que transmite de geração em geração os conhecimentos que vamos adquirindo”, disse à lusa.

e josé andrade recorda: “estamos rodeados de arte. a minha sala de aula tinha dois pianos, um tapete persa, dois quadros do malhoa. quando temos este ambiente de trabalho e quando o conservatório tem pequenas pedras preciosas nos corredores – candelabros, quadros, mobiliário histórico – é natural que tudo isto nos ajude a despertar para esta actividade fabulosa que é a arte de ser músico”.