Margarita fugiu da Rússia porque lá o amor não é livre e pode matar

A perseguição aos homossexuais na Rússia tem atingido contornos cada vez mais violentos e levou já a que uma mulher russa procurasse abrigo em Portugal depois de ter sido agredida e de lhe terem matado a companheira.

margarita sharapova não tem receio em dar o nome ou em mostrar a cara para contar uma história que, não sendo única, é exemplo, diz, do que cada vez mais se passa na rússia, onde os homossexuais são vistos como uma ameaça à família, às tradições e ao próprio estado.

prova disso está no facto do parlamento russo ter aprovado, em junho, uma lei que proíbe qualquer tipo de propaganda homossexual. a lei passou sem um único voto contra.

margarita sharapova é natural de moscovo e foi na capital russa que estudou, trabalhou e viveu até ter fugido a 24 de agosto deste ano.

tem 51 anos, duas licenciaturas — uma em letras, outra em cinema — trabalhou no circo, mas afirmou-se como escritora, muitas vezes sobre temas lgbt (lésbico, gay, bissexual e transgénero), e chegou mesmo a receber vários prémios literários pelas suas obras.

conta à lusa que durante “um período muito favorável”, mais ou menos entre 2000 e 2010, conseguiu publicar os seus livros e ter uma vida literária bastante activa. desde há dois ou três anos, começaram as perseguições. a margarita e a todas as pessoas com uma orientação sexual “diferente”.

“há cerca de dois anos, estava num bar lésbico com a minha companheira e ao sair fui violentamente agredida e partiram-me a cana do nariz”, contou margarita sharapova.

a par das perseguições, violência física e psicológica, veio também a recusa das editoras em publicar os seus livros de temática lgbt, já que, segundo margarita, este tipo de publicação passou a ser crime e um motivo para que possa ser presa.

conta que a mensagem que tanto o governo como as restantes instituições e órgãos ligados ao estado russo tentam passar é que as pessoas lgbt devem tentar ser normais ou então sair do país e ir viver para a “gayropa”.

um artigo da revista “new yorker”, de 13 de dezembro, dá conta que na rússia “reina uma unanimidade desdenhosa e intimidatória” e que os “grupos de direitos humanos dizem que a lei (que proíbe a propaganda homossexual) abriu a porta à verdadeira miséria: só este ano, documentaram centenas de actos de violência, incluindo assassinatos, contra homens e mulheres gay”.

margarita viveu essa realidade em abril deste ano, quando assassinaram a companheira. viviam juntas há dez anos, juntamente com os dois filhos daquela.

“estávamos as duas num festival de cinema lgbt quando a polícia mandou parar a minha companheira. levaram-na para a esquadra sem qualquer explicação e agrediram-na no posto da polícia. alguns dias depois, ela faleceu por causa dos traumatismos”, lembrou, visivelmente incomodada.

tentou perceber o que se tinha passado, mas a única informação que lhe deram foi que a companheira tinha morrido de ataque cardíaco. as crianças foram entregues aos avós maternos, na ucrânia, e nunca mais os viu ou falou com eles.

depois, sucederam-se os telefonemas com ameaças, onde alguém lhe dizia que ou saía do país ou podiam acontecer-lhe “coisas más”.

“havia o risco de me encontrarem em qualquer lugar, em qualquer momento. havia também o risco de ser presa por causa dos meus livros e esse foi também um motivo para sair da rússia”, explicou.

a portugal veio parar por acaso, com uma viagem comprada numa agência de viagens. residiu num hotel no estoril, mas hoje vive nas instalações do conselho português para os refugiados (crp).

não fala da sua situação legal, mas não esconde os sonhos para o futuro: aprender português, voltar a escrever e fazer traduções.

gostava de voltar à rússia, mas não sabe quando é que isso será possível. enquanto vive com saudades dos amigos e da vida que deixou para trás, tenta combater a solidão e deixa um desejo para o país que deixou para trás: amor.

lusa/sol