O mundo encantado dos livros

Mia Couto, Valter Hugo Mãe e Afonso Cruz foram apenas alguns dos autores ditos ‘para adultos’ que, este ano, escreveram para um público infanto-juvenil (O Menino no Sapatinho, A Verdadeira História dos Passos e Assim, Mas Sem Ser Assim – Considerações de um Misantropo, respectivamente). Com 8,9 milhões de livros vendidos em 2013 (dados fornecidos…

e não apenas graças aos escritores. nos últimos anos a ilustração deixou de ser personagem secundária para se tornar co-protaganista desta história literária. e são cada vez mais os ilustradores portugueses com reputação internacional: joão vaz de carvalho, joão fazenda, afonso cruz, andré letria, madalena matoso, bernardo carvalho e andré da loba são apenas alguns deles.

“a ilustração portuguesa vive uma época dourada a nível mundial. a prova disso é que os nossos ilustradores estão constantemente a ser solicitados para tudo o que são grandes mostras internacionais”, diz ao sol paulo ferreira, dos consultores editoriais booktailors, recordando a edição de 2012 da feira do livro de bolonha (a principal feira mundial do sector infanto-juvenil), na qual portugal foi o país convidado, e se fez representar com a mostra como as cerejas, que reunia trabalhos de 25 ilustradores portugueses. “foi tão bem recebida que este ano a levámos para a feira do livro de bogotá, onde foi outro estrondo. sempre houve grandes ilustradores mas temos, de repente, quase 25 a ganhar prémios lá fora e a ser convidados para publicar internacionalmente. em bogotá o espaço infanto-juvenil foi decorado com ilustrações do andré letria. correu tão bem que já foi convidado para ilustrar um livro para uma editora colombiana, que quis também contactos do afonso cruz. antes estava tudo centrado em quem escrevia e a ilustração era um bocado esquecida. agora isso mudou”, acrescenta o consultor.

prova disso foi a distinção feita pela revista time out london ao livro para onde vamos quando desaparecemos?, de isabel minhós martins e madalena matoso, que, editado pela planeta tangerina, foi considerado um dos dez melhores livros infanto-juvenis publicados este ano na grã-bretanha, sendo o perfeito exemplo de como ilustração e texto podem ambos ser personagens principais do mesmo livro. a editora, de resto, acumula distinções, tendo sido eleita este ano, na feira do livro de bolonha, a melhor editora europeia para a infância.

e, se na maioria dos casos, o trabalho é dividido, no de afonso cruz é a dobrar. o autor, que assina não só os textos como as ilustrações dos seus livros, estreou-se na escrita infanto-juvenil em 2010 com os livros que devoraram o meu pai. e diz que não são muitas as diferenças entre escrever para mais velhos ou mais novos. “quando começo a pensar nem faço distinção mas depois há algumas coisas a considerar: tento evitar algumas palavras, mas sempre sem paternalismos, é importante que as crianças tenham acesso a palavras que não compreendem, até porque o que não compreendemos é o que nos faz evoluir. mas em demasia pode estragar a história e afastá-los da leitura. tento evitar isso e raciocínios que possam ser complexos”, diz ao sol afonso cruz, salientando, porém, que nunca escreveu para crianças muito pequenas, normalmente para maiores de oito anos. “quando tenho uma ideia é sempre uma coisa genérica. depois tento perceber se pode ser, ou não, comunicada para todos eficazmente, se terá ou não ilustrações – e quando tem ilustrações é habitualmente conotada com o universo infantil – se será para adultos ou crianças”.

a autora económica

se afonso cruz se iniciou na escrita há pouco tempo, há muito que a jornalista e escritora alice vieira encanta gerações de leitores. foi em 1979 que publicou o rosa minha irmã rosa. desde então já publicou mais de 30 livros para o público infanto-juvenil (e mais uma dezenas para adultos). “tinha dois filhos com dez anos nessa altura, não tinham nada em casa para ler, e decidimos escrever aquilo para ver se ficavam sossegados durante as férias”. foi um sucesso.

alice vieira nunca mais parou. com mais livros para adolescentes que para crianças, a autora (que acaba de lançar, com joão fazenda, a arca do tesouro) diz que quando se senta para escrever não sabe para que idades será o livro. “normalmente não penso em para quem estou a escrever. nisso sou egoísta: escrevo para mim. a não ser quando as editoras me pedem livros para crianças. aí sim, tenho que pensar na idade que têm. de resto, quando me sento a escrever um livro, não penso em para quem vai ser. no fim logo se vê”.

o método parece infalível: os seus livros têm atravessado gerações. e não só de pais para filhos: “no outro dia um miúdo trazia-me um livro muito manuseado. achei que era da mãe dele. disse-me que era da avó. há tempos uma senhora também me dizia que gostava muito dos meus livros, que eram muito económicos: tinham servido para ela, para os filhos e para os netos”.

rita.s.freire@sol.pt