Um Natal feito em casa e à medida

Longe da euforia consumista dos centros comerciais, há quem prefira fazer os seus próprios presentes. São mais pessoais e têm um significado especial, apesar das horas que exigem. Desde compotas a azeites, passando por casacos de bebé e acessórios, o que não falta são ideias para surpreender.

mariana garcia e pedro vilar são casados há três anos. ela é de lisboa, ele é do porto. ela tem uma família enorme, mais de dez tios, dezenas de primos. ele tem uma família pequena, menos de dez pessoas sentadas à mesa no natal. se já não é fácil conciliar as festas dos dois, mais difícil ainda é harmonizar o presente ideal. até que perceberam: nada como dar um toque pessoal ao que ofereciam. os dois são designers, pedro tem um talento inato para a cozinha. juntaram as artes e decidiram fazer compotas. e qual produto gourmet, não é apenas a iguaria que conta. a embalagem assume lugar de destaque. enquanto pedro passa várias noites na cozinha, mariana está horas sentada à mesa, rodeada de papéis, lápis, pantones, tesouras. faz as ilustrações dos rótulos, cria os embrulhos. “irrita-me muito o consumismo de última hora no natal. como nesta semana, em que toda a gente vai a correr para os centros comerciais, comprar por comprar. achámos melhor fazer coisas dedicadas às pessoas. prefiro receber um cachecol feito pela minha tia-avó do que uma coisa comprada por acaso, que foi para mim como poderia ter sido para outra pessoa qualquer”, explica mariana ao sol.

depois foi uma questão de juntar o gosto pela cozinha de pedro e a paixão pela ilustração de mariana. as compotas que fizeram e ofereceram no primeiro natal (cinco diferentes, entre elas de maçã, canela e gengibre, e de tomate, tamarindo e manjericão) foram tão apreciadas que decidiram que nos seguintes iriam continuar a tradição. por isso, ainda o ano ia a meio e mariana, já a pensar no que fariam nesse natal, ofereceu ao marido um livro sobre conservas e compotas. da sua cozinha saíram chutney de pêra rocha, clementinas em calda de caramelo e peras bêbedas. “nunca repetimos o que fazemos”, afirma mariana. “e não damos igual a toda a gente. aos pais damos um kit completo. aos amigos damos apenas uma das coisas”. “porque dá muito trabalho a fazer. são umas noites longas”, complementa pedro. “já sei que, daqui até ao natal, vou ter dias a trabalhar até às quatro da manhã”.

é que a família é grande. dão apenas um presente por casal, o que reduz a quantidade para quase metade. mas mesmo assim, para este ano, já compraram trinta frascos para o que vão confeccionar. é possível que ainda voltem à loja para comprar mais. família e amigos já perguntam pelos presentes. todos os querem receber, até aqueles que ainda só ouviram falar. e há quem goste tanto, tanto, que nunca chega a comer o que vem dentro dos frascos. “a minha mãe nunca provou absolutamente nada porque guarda todos os frascos. estão em exposição. por isso, este ano, estou a pensar dar-lhe também um sem rótulo, para ver se ela finalmente experimenta o que faço”, diz pedro.

mas este não é um trabalho para quem queira investir pouco nos presentes. entre os frascos, os tecidos, as fitas, a impressão dos rótulos, as embalagens bonitas onde se guardam os frascos, e os ingredientes, que vão de frutas a vinho do porto, gastam-se muitos euros. e são precisas muitas horas de trabalho até se chegar ao resultado final. “há todo um ritual. primeiro vamos ao depósito da marinha grande comprar os frascos, depois é preciso lavá-los e esterilizá-los, comprar tecidos para cobrir a parte de cima e cortá-los em rodelas, escolher a fita para fazer o laçarote, fazer os rótulos, imprimir, cortar, colar”. decidiram o que iriam oferecer no início do mês. só agora, porém, a pouco mais de uma semana do natal, começará o trabalho a sério. este ano vão oferecer compotas e azeites aromatizados. os sabores ficam em segredo. não querem estragar a surpresa.

de fora ficam as crianças. no primeiro ano, encheram frascos com gomas, pastilhas, chocolates. foi um sucesso, mas não gostam de se repetir, por isso os miúdos vão receber brinquedos ou outros presentes ‘normais’. “não queremos ficar conhecidos como os tios dos smarties”.

colares e malhas para todos

eugénia dimas tem muita gente a quem dar presentes no natal. aos 57 anos, já viu a família multiplicar-se para cerca de meia centenas de pessoas. a essas juntam-se ainda os muitos amigos e vizinhos, que nunca são esquecidos nesta quadra. com casa em vila nova de milfontes e na póvoa de santo adrião, em ambos os casos a relação com os vizinhos é de grande proximidade. ”eles sabem que eu odeio cozinhar e, volta e meia, levam-me petiscos. no natal, tenho que retribuir com algumas lembranças”. uma ida ao centro comercial não resolveria as dezenas de presentes que eugénia tem para oferecer. por isso decidiu ela própria fazer alguns na sua casa, onde não falta espírito natalício. além da árvore, presépio e velas vermelhas acesas, espalhados pela mesa e pelas cadeiras da sala há colares, pulseiras, golas, gorros e casacos de malha para bebé, todos feitos por si.

foi com a mãe e a avó que eugénia se iniciou nas artes do tricot, logo aos 14 anos. aí descobriu uma forma de evasão e “uma necessidade, que alivia o stresse do trabalho”. agora que se reformou tem menos stresse mas mais tempo livre para o fazer. e não se limita exclusivamente ao tricot. nas redes sociais, eugénia viu que várias pessoas se dedicavam a produzir bijutaria em casa para vender. “comprei algumas peças e pensei que também as conseguia fazer”. lançou mãos à obra e os colares e pulseiras começaram a fazer sucesso entre amigos e familiares. foi então que percebeu que podia aproveitar o seu engenho e oferecer o que fazia em casa como presente.

tem uma panóplia de acessórios, onde se incluem, também, objectos de cariz religioso. “vi que há muitas pessoas viradas para a religião – não sei se por causa da crise –, então comecei a fazer uns terços e umas dezenas”, diz eugénia, que gosta de dar presentes personalizados, procurando ir de encontro aos gostos e necessidades de cada um. aos pais recentes dá roupinhas de bebé, às mulheres, além das pulseiras e colares, oferece golas, luvas, cachecóis.

eugénia não se queixa do tempo gasto nestes afazeres: “estou sempre a ver documentários, por isso posso fazer as duas coisas em simultâneo”. e explica que tanto a bijutaria como as malhas são peças simples e de baixo custo: “as peças para os colares não são muito caras e isto faz-se num instante. numa noite sou capaz de fazer uns sete. as golas levam-me duas noites e os casaquinhos cerca de uma semana”.

e este ano não são só os amigos e familiares que vão receber estes presentes. eugénia vai ainda oferecê-los a quem mais precisa: “vou dar à igreja umas golas e umas pulseiras, algumas com cruzes e medalhas de nossa senhora, porque as pessoas não podem receber só pão, farinha e arroz. têm de ter outros mimos”.

rita.porto@sol.pt e rita.s.freire@sol.pt