Médio Oriente: da Primavera ao caos

A vaga de protesto que, da Tunísia e da Líbia ao Egipto e à Síria, se levantou contra líderes e dinastias autocráticas, depois de ter logrado os seus efeitos imediatos, parece ter deixado de entusiasmar os iniciais apoiantes externos.

quase três anos passados, o que ficou dela? na tunísia o regime de ben ali e família desapareceu; no poder, está o partido religioso ennahda que se vê assediado dum lado pelos radicais e terroristas da jihad islâmica local, do outro pelos partidos laicos e pelos militares. a líbia libertou-se de kadhafi mas mergulhou num caos de clãs, milícias e bandos de salafistas enquanto o governo tenta apresentar alguma normalidade. no egipto o povo e os islamistas da irmandade muçulmana defenestraram mubarak e elegeram morsi, à tangente; depois os laicos instigaram, na rua, os militares a correr com morsi. e os militares não voltaram para os quartéis, ficaram no poder. os sauditas financiam-nos, israel espera que eles restabeleçam a segurança no sinai e os norte-americanos fecham os olhos, em nome da realpolitik, a esta entorse democrática.

a síria é a história mais actual e mais controversa: numa primeira fase parecia um daqueles contos morais e lineares: a minoria alauita e a família assad, que aterrorizavam e tiranizavam a maioria, que não hesitavam em perseguir e eliminar os seus inimigos no exterior e se apropriavam das riquezas do país, eram os maus da fita.

a revolta estalou apoiada pelos ocidentais, pelos sauditas e pelo qatar. longa guerra, em cidades divididas, cidades antigas, com monumentos cristãos e islâmicos, reduzidos a escombros.

quando assad parecia na beira do precipício, quando o uso de armas químicas parecia atirá-lo para a ‘linha vermelha’ de obama, eis que tudo se transformou. afinal descobriu-se que entre os rebeldes há a al-qaeda e grupos que perseguem as minorias religiosas. são, em resumo, tão maus ou piores que os assad. e os russos, que nunca abandonaram o seu único aliado na região, chegaram com uma solução de terceira via: não é preciso os estados unidos intervirem para acabar com o ‘perigo químico’ sírio, pois graças a moscovo, o regime de assad vai-se comprometer a entregar o seu arsenal químico e bacteriológico. obama aliviadíssimo e tudo para genebra ver o que dá. só a retoma das conversações directas israelo-palestinianas, conseguido pelo secretário de estado kerry, dá uma pequena dose de optimismo.

os poderes da região – os sauditas e os sultanatos sunitas do golfo – fazem bloco perante o irão que apoia os assad na síria onde se desenvolve uma espécie de ‘guerra civil de espanha’ entre sunitas e xiitas. o iraque continua dividido. os curdos aproveitaram habilmente as contradições dos outros para aumentarem a sua independência e estabilidade. erdogan também tem graves problemas internos, para prosseguir o seu sonho otomano. israel vive no limiar do risco. como sempre.

e no meio da confusão habitual, surge a ideia de que a médio prazo, graças aos recursos energéticos do gás e do petróleo de xisto, os americanos não vão precisar, dentro de dez anos, da energia do médio oriente.

mas talvez o médio oriente ainda precise deles. ou talvez não.