Rebenta a bolha: O champanhe está a democratizar-se

À meia-noite de dia 31 de Dezembro serão muitos os estouros a ecoar na noite. Milhares de pessoas vão pegar em garrafas de champanhe para dar as boas-vindas ao novo ano. Mas não é preciso esperar 365 dias para abrir a próxima. Conotado com a elite, o champanhe está-se a democratizar. Prova disso são as…

para muitos é bebida de eleição. para outros, um luxo inacessível. para a maioria, um néctar saboreado apenas em ocasiões especiais, como aniversários e casamentos. há, porém, uma noite em que a tradição obriga a que se façam estalar as rolhas e se brinde com champanhe ou espumante: a passagem de ano.

produzido em frança, na região com o mesmo nome, o champanhe pode atingir valores exorbitantes. é que se uma garrafa de veuve clicquot pode custar umas largas dezenas de euros, uma de cristal pode ascender às centenas. e se os vinhos brancos gasosos feitos noutras regiões perdem a chique e exclusiva designação, certo é que há muitos outros espumantes capazes de satisfazer o palato mais exigente, sem fazer grande mossa na bolsa. uma garrafa do português murganheira, por exemplo, já se pode comprar por dez euros. há para todos os gostos e para todas as bolsas. aquela que era considerada uma bebida de elite está a democratizar-se. tanto que, nos últimos meses, se inauguraram quatro champanharias em lisboa, que vêm desmistificar ideias associadas a este vinho.

aliás, desmistificar é palavra de ordem na champanharia do cais, um projecto dos amigos nuno correia pereira e pedro collaço. inaugurada na rua cor de rosa, no cais do sodré, no final de agosto, e inspirada na mítica champanharia de barcelona onde o cava (espumante espanhol) é rei, aqui a ideia é mostrar que esta é uma bebida acessível a todos. «é uma champanharia e há quem consuma champanhe de custo elevado. mas a ideia é desmistificar isso. por isso, vendemos muitos espumantes portugueses. a ideia é democratizar o consumo. e fazê-lo, também, através de sangrias e cocktails onde utilizamos espumantes. os espumantes nacionais têm uma qualidade elevada mas com um custo mais baixo para o cliente», explica ao sol nuno correia pereira. para confirmar essa ideia de champanhe para todos, o espaço localiza-se no cais do sodré, local em nada associado à ideia de elite. e a ideia, aqui, é partilhar garrafas (que podem ir dos dez aos 115 euros), o que sai a um preço muito mais económico do que pagar a copo. para reforçar, há mesas corridas para que grupos diferentes possam dividir entre si. e, para não beber de estômago vazio, há também croquetes, pratos de bacalhau, tostas ou amendoins wasabi. «acima de tudo é um espaço informal, divertido e nada pretensioso», resume nuno correia pereira.

informal é também a champanharia do mercado, inaugurada no mês passado no mercado de campo de ourique. aqui o conceito é um pouco diferente: associada à champanharia está, na banca imediatamente ao lado, e dos mesmos proprietários, uma marisqueira. a ideia, explica constança albuquerque, gerente do espaço, é aliar as duas iguarias. «quisemos juntar dois produtos nobres, as ostras e o champanhe, e criar um conceito moderno, diferente, acessível a todos. não quisemos ter o marisco a preços estupidamente caros, a que só uma pequena parte da população pudesse aceder. todos devem poder degustar um pouco de tudo aqui no mercado». cada ostra custa dois euros. um prato de gambas cinco, uma flûte de espumante murganheira três euros (a garrafa 16), já o champanhe taittinger custa sete euros e meio a flûte, 39 a garrafa. «queremos que toda a gente se possa dar ao luxo de, pelo menos, poder provar. ninguém come marisco e bebe champanhe todos os dias. mas dá gozo poder fazer isso de vez em quando. e tem sido um sucesso. as pessoas têm gostado, dizem aos amigos. já nos apareceram pessoas do algarve, que disseram que vieram cá de propósito». há gambas, camarão de espinho, sapateiras, amêijoas à bulhão pato, lagostins. e o que não falta é clima de festa: o mercado tem estado sempre cheio. se alguém preferir outro tipo de comida, é só ir à banca do lado. afinal, quem diz que champanhe não vai bem com hambúrguer?

é precisamente nas novas combinações de sabores que a champanharia real, na calçada marquês de abrantes, em santos, tem apostado. a casa abriu pela mão de quatro amigos de infância, cada um dedicado à sua profissão (um gestor, um designer, um arquitecto e um gestor de informação), inspirados na champanharia da baixa, no porto. não quiseram copiar o conceito e, por isso, decidiram acompanhar os champanhes disponíveis na carta (aqui já não tão democrática, e a fazer uma aposta forte nos franceses), com comidas que vão das tapas, como presunto, camarão e ostras, a risottos, salmão grelhado, magret de pato e filet mignon. «tudo pratos para casar com a bebida da casa, o champanhe. temos 14 marcas na champanharia real. claro que é uma bebida mais cara, mas não é totalmente inacessível. este é um sítio para estar relaxado, para beber um copo ao fim do dia, cultura mais do norte da europa que quisemos puxar para lisboa. a ideia é ser um bar das seis da tarde para a frente, como vemos nas grandes cidades europeias».

aposta forte na comida faz também a champanharia do largo, no largo da anunciada, junto à avenida da liberdade, em lisboa. aqui, até se servem almoços, sempre sem perder o foco no que dá nome à casa. «o menu está desenhado para ser acompanhado de um copo de champanhe ou espumante. quisemos desmistificar a ideia do champanhe como uma bebida de luxo. é uma bebida que também se pode beber a acompanhar uma refeição. e não tem que ser uma ocasião especial», explica ao sol o responsável josé castillo.

e se ao almoço existe sempre um prato do dia, para a tarde ou noite a carta é fixa e variada, com petiscos como peixinhos da horta, saladas, atum dos açores em tártaro, caviar, croquetes de ostras, rissóis de amêijoa à bulhão pato, mexilhões com batatas fritas, mini hambúrgueres de peito de pato ou barriga de leitão assado. «e à tarde temos uma happy hour, com vinhos espumantes, para as pessoas que depois do trabalho querem ir beber um copo e comer qualquer coisa ligeira antes do jantar». a ideia, explica josé castillo, é contribuir para aumentar o consumo de champanhe, sobretudo à refeição. «almoçamos e jantamos com o vinho na mesa. e o champanhe fica reservado para um jantar especial, para uma passagem de ano, para uma festa. tentamos dar a possibilidade aos clientes de acompanhar as suas refeições com um copo de champanhe».

é que, à semelhança dos outros vinhos, o champanhe tem muitas variedades e vai bem com tudo. por isso, o melhor é, depois de abrir a garrafa à meia-noite de dia 31, continuar a rebentar bolhas ao longo do ano. o que não falta são espaços para o fazer.

rita.s.freire@sol.pt