Ver melhor

A exposição Rubens, Brueghel, Lorrain – A paisagem nórdica do Museu do Prado, que pode ser visitada no Museu Nacional de Arte Antiga até 30 de Março, não é excelente.

há três ou quatro salas desinteressantes, com pinturas de cenas de patinagem, bosques, palácios e navios de guerra. a última sala, onde encontramos o lorrain deslumbrante, paisagem com uma monja mercedária, de 1636-39, é irregular. mas como acontece nestas exposições, há duas ou três obras cuja presença em portugal nos honra e que justificam a visita. diria que o claude lorrain mencionado e, claro, a paisagem esplendorosa de rubens, atalanta e meleagro caçando o javali de cálidon, de 1635-1636. mas apesar da beleza das paisagens, gosto sobretudo da confusão nas obras de jan brueghel, o velho. a boda campestre, de 1621-23, é um exemplo dessa mistura caótica de pessoas e actividades num cortejo nupcial. gosto de quadros que pedem que nos dobremos para ver melhor.

o optimismo dos cem anos

tudo indica que chegaremos mais facilmente aos cem anos de idade do que no passado. à medida que a esperança de vida aumenta nos países desenvolvidos, o pânico aumenta também, sobretudo porque persiste a ideia deprimente de que uma pessoa mais velha não é uma pessoa capaz. uma recolha de curtas entrevistas online a centenários publicada no mental floss contradiz esta ideia negativa e falsa mas comum. além dos conselhos tradicionais sobre amar, perdoar, continuar, fazer ginástica de manhã, dormir e comer bem, há conselhos mais específicos, como esquiar. elsa bailey festejou os cem anos assim. marian cannon schlesinger, mulher de arthur schlesinger jr., conselheiro de john f. kennedy, sugere que nos rodeemos saudavelmente de todos os tipos de pessoas, homens, mulheres, ricos, pobres, para percebermos que todos somos parecidos e diferentes. mas o meu conselho preferido vem de um centenário da sardenha: «não morrer demasiado cedo». cá está.

recordações no instagram

linda henkel perguntou num estudo recentemente publicado no psychological science até que ponto as fotografias moldam a memória da nossa vida. a pergunta é pertinente numa época em que tiramos fotografias por tudo e por nada com as câmaras sofisticadas nos telefones. deparo por vezes com imagens de vulgaríssimas chávenas de café no instagram. é difícil explicar a necessidade de fotografar uma bica, mas deve haver razões para a mania portuguesa. o estudo sugere que a nossa memória não será tanto do que aconteceu no café, mas apenas da fotografia em si. ou seja, o acto de fotografar exclui o que está à volta. se pensarmos na quantidade de tempo que passamos à procura de um filtro adequado à imagem, na partilha em que rede social, etc., talvez não seja descabido pensar que só nos lembraremos daquela fotografia e não do que vivemos. um bom exercício será percorrer o feed das imagens e fazer um esforço de memória sobre o que levou até ali.

mercado vingativo

a poucos dias do fim do ano, beyoncé lançou um álbum generoso auto-intitulado beyoncé, com 14 canções e vídeos. o álbum visual ficou disponível apenas no itunes durante a primeira semana e as vendas foram expressivas, com cerca de um milhão de exemplares vendidos. beyoncé lançou também vários vídeos generosos, justificando a descrição do álbum como ‘visual’. estava tudo a correr às mil maravilhas, com o mundo apanhado de surpresa apesar das filmagens de exteriores, quando a amazon decidiu excluir o álbum em formato físico de cd das listas de vendas. a decisão parece estar relacionada com a exclusividade ao itunes e o impedimento de a amazon pré-vender o disco. perante a restrição de entrar no jogo e ganhar com isso, a empresa não aceita vender um produto que tem procura. o que transparece é uma atitude mesquinha e de vingança nada adequada ao negócio. uma coisa é certa, se quero um produto, vou comprá-lo onde mo vendam. é simples.

carta de amor

há tempos falei aqui a propósito do casamento como um caminho feito por duas pessoas. era uma descrição geral, mas também um lugar comum. a verdade demora um pouco mais a contar. nem na vida penso como um caminho, que começa no nascimento e acaba na morte, por isso não poderia pensar no casamento como tendo início e fim, talvez um meio. para mim, o casamento é sempre agora. é sempre hoje, apesar de todos os ontens e anos passados. não existem propriamente amanhãs, porque serão hoje e agora. e daqui a 20 anos também. deve ser por amarmos uma pessoa que o tempo não passa, embora não possa senão passar. sabemo-lo mas não é tema que nos interesse, porque não vamos a lado nenhum. como se víssemos o tempo à nossa frente a passar, mas para nós fosse sempre já. na nossa irracionalidade amorosa, não passamos de hoje. só há uma excepção: quando não estamos um com o outro. é nessa altura que o tempo passa. para logo ser hoje outra vez.