o original é da confeitaria nacional, à praça da figueira, que continua a ser feito com a mesma receita que balthazar castanheiro júnior (ver pequeno texto junto) lançou em lisboa em 1870, a partir da galette des rois, que continua a fazer-se em frança, e que o pintor francês jean-baptiste greuze (1725-1805) deixou celebrizado num quadro intitulado le gâteau dês rois.
o nosso bolo rei – hoje é copiado por praticamente todos os pasteleiros do país, em distintas versões, e há quem acha alguns sucedâneos melhores do que o original, cuja receita é mantida em segredo pelos sucessores de bathazar castanheiro – acaba por ser um doce tipicamente português (como a gallete des rois é francesa, ou o roscón de reyes espanhol – todos de inspiração e forma semelhantes, sempre redondos, sempre com um buraco no meio, sempre com frutos secos e cristalizados, mas na verdade muito diferentes).
vinte anos depois de começar a ser fabricado na confeitaria nacional, o dono da confeitaria cascais, no porto, trouxe também uma receita de paris com o mesmo nome. em pouco tempo, o bolo rei passou a ocupar lugar de destaque entre o natal e o dia de reis.
a pastelaria garrett, do estoril, famosa pela qualidade de praticamente toda a sua produção, passou a fabricar o bolo rei todo o ano, e a ter gente que o defende como o melhor.
no passado dia 3 de dezembro, a 2.ª edição do concurso nacional de bolo rei tradicional português, que decorreu no centro nacional de exposições, em santarém, atribuiu a medalha de oiro à flor de aveiro. a medalha de prata foi para a pastelaria briosa, na baixa de coimbra. a douromel, do concelho de tabuaço, surpreendeu com a apresentação de um bolo rei dietético. de notar que a briosa de coimbra recebeu ainda uma medalha de oiro pelo bolo rainha (sem frutas cristalizadas, e apenas com passas e frutos secos).
claro que a estes concursos, como ao dos pastéis de nata, não devem concorrer os melhores fabricantes.
ultimamente, apareceram umas modernices: lembro-me de ver pela primeira vez os bolos rainha nas caldas da rainha, e os bolos rei escangalhados (também só com frutos secos e passas, mais com gila) no minho. e depois, também os de chocolate.
há quem garanta que a receita original do bolo rei, a da confeitaria nacional, é tão complexa, trabalhosa e demorada, que estará sempre por cima das versões sucedâneas.
o bolo rei com fava seca (mais os presentes, que chegaram a ser de libras de oiro nos melhores tempos – tudo agora proibido pela asae e pela legislação europeia), remonta às festas pagãs romanas, e era usado para designar (através da fava) o rei delas (daí, o nome). quando o império romano adoptou o cristianismo, coincidindo estas festas do sol com o 25 de dezembro, apontado para data do nascimento de jesus, a igreja católica terá decidido também adoptar o bolo rei, designando simultaneamente o dia de reis a 6 de janeiro. depois, o apuramento do bolo terá sido feito em frança, com luís xiv – até chegar a portugal no século xix.
a figura de balthazar castanheiro
ninguém duvida de que o bolo rei português parte de uma receita apurada por balthazar castanheiro júnior, proprietário da confeitaria nacional, com o seu pasteleiro gregório, a partir de uma receita trazida de paris, mas que seria mais utilizada no loire.
este balthazar castanheiro júnior foi uma figura destacada da sua época. a confeitaria nacional fora fundada pelo pai, balthazar castanheiro, em 1827, na rua da prata, e mudada dois anos depois para a praça da figueira. a família, segundo documentação disponível, já negociava em artigos de mesa antes do terramoto de 1755.
o júnior, o do bolo rei, era já um homem rico, um cosmopolita viajado – e que, segundo a biografia de alfredo da silva escrita pelo historiador e investigador miguel figueira de faria (bertrand editora, 2004), era primo direito desse industrial, seu sócio e conselheiro. mas um primo bastante mais velho, que lhe dava conselhos do mundo, em cartas e postais que lhe escrevia nas suas viagens. a diferença de idades entre ambos nota-se mais hoje, nas descendências: enquanto a de alfredo da silva, com os filhos de jorge e josé manuel de melo, vai na quarta geração, a de balthazar castanheiro júnior, com o actual proprietário da confeitaria nacional, rui castanheiro viana, já vai na sexta.