nem sempre ter preços mais baratos, uma moeda forte e juros quase nulos são boas notícias. para uma família, é um cenário quase idílico: compram-se mais artigos, os produtos estrangeiros são atractivos e a renda da casa pode até descer. mas pode ser um pesadelo para uma economia em recessão e com uma dívida elevada como é o caso de portugal e de grande parte da zona euro.
a combinação da desaceleração dos preços com um euro forte e um banco central que já gastou quase todas as armas convencionais para combater a recessão é o maior risco para a europa em 2014. este ano é esperada uma retoma ainda tímida na região, com a comissão europeia e o fmi a anteciparem um crescimento de 1%, contra uma recessão de 0,4% em 2013.
o forte abrandamento da inflação desde o verão fez soar os alarmes no banco central europeu (bce). em outubro e novembro os preços subiram apenas 0,7% e 0,9%, respectivamente, muito abaixo do limite de 2% que a entidade responsável pela estabilização de preços considera sustentável. até ao verão, a inflação média era de 1,5%.
risco de deflação mantém-se
nos países sob resgate e com medidas de austeridade os preços praticamente estagnaram em novembro. em espanha e na irlanda subiram apenas 0,3% e em portugal aumentaram 0,1%. a grécia vive a maior deflação dos últimos 50 anos, com os preços a caírem 2,9%. e mesmo na alemanha, a maior economia e motor da zona euro, a inflação foi de apenas 1,3%.
o abrandamento ou a descida dos preços sinalizam que as famílias não estão a comprar, obrigando as empresas a vender menos e mais barato – gerando menos crescimento e mais desemprego. o japão é o caso mais conhecido de deflação, com a economia a estagnar durante 20 anos. os economistas são unânimes nas consequências: depois de entrar num ciclo deflacionista é muito difícil sair.
mario draghi, presidente do bce, negou sempre o cenário de uma deflação na europa, justificando que a queda dos preços se deve a preços mais baixos na alimentação e nos produtos energéticos. porém, dados do eurostat revelam que a chamada inflação core – que exclui elementos mais voláteis como energia, alimentação e álcool – está também em níveis historicamente baixos, tendo os preços subido apenas 0,8% em outubro, abaixo mesmo da crise de 2009.
mas se a deflação é um grande risco para a retoma, a valorização do euro é outra dor de cabeça para os responsáveis europeus. com mais de metade da zona euro a aplicar austeridade e a apostar nas exportações para fora da ue, o encarecimento do euro face às maiores divisas mundiais é um entrave para a entrada de produtos europeus nos mercados globais.
euro penaliza exportações
apesar de a zona euro ter enfrentado um ano de recessão, o euro valorizou quase 10% face ao dólar em 2013. chegou a atingir 1,38 dólares no início deste ano, um máximo de dois anos. os eua cresceram quase 2%, viram o desemprego descer e os lucros das suas empresas subir para níveis pré-2008. o euro valorizou ainda 30% face ao iene e 5% face à libra.
as fortes injecções de capital feitas pelos bancos centrais dos eua, japão e reino unido e a redução dos juros para níveis próximos de zero para estimular essas economias fizeram as moedas desvalorizar.
o bce apostou também na redução dos juros, tendo estipulado um novo mínimo de 0,25%, e lançou um pacote de medidas para regularizar o mercado do crédito na europa como mais de 1,1 biliões de euros disponibilizados à banca. porém, com os juros a chegar a valores próximos de zero, o impacto de novos cortes no preço do dinheiro tem um efeito cada vez mais reduzido. draghi já referiu várias vezes que não vai aplicar estímulos iguais aos dos seus parceiros norte-americanos ou japoneses.
e a via dos juros para estimular a economia está a ser anulada pela apreciação do euro. segundo um estudo da nordea markets, uma apreciação de 10% nos termos de troca comerciais (valorização de uma moeda face a outra, por exemplo) equivale a um aumento da taxa de juro de referência entre 0,5% e 1% e provoca um corte do crescimento de 0,8 pontos no pib em dois anos.