olhando os escaparates de washington, londres, paris e lisboa percebe-se a avalanche de títulos sobre o conflito: numa era de paz na euro-américa, os descendentes dos homens que foram para as frentes há cem anos compram os livros que contam as carnificinas na flandres e em mais meia dúzia de teatros de operações periféricas, na frente leste, nos balcãs, na turquia, no médio oriente, em áfrica.
mas as batalhas decisivas foram no norte da frança, depois de os alemães, parados no outono de 14 no marne, cavarem trincheiras para segurar posições. os soldados passaram a viver, combater e morrer nestes labirintos de cimento, madeira e lama, como os ratos e as térmitas que lhes faziam companhia. isso só foi possível num tempo de grandes exércitos de conscrição, oriundos de populações camponesas, religiosas, patriotas e obedientes. e de estados-maiores planificadores e generais que usavam e abusavam de uma mão-de-obra militar submissa e disciplinada. o absurdo estratégico e táctico da flandres fica claro quando se pensa que, quatro anos e vários milhões de mortos depois, a frente nunca variou mais de oitenta quilómetros.
a rotina da preparação de artilharia, da saída das trincheiras sob os apitos dos graduados, da carga à baioneta pela terra de ninguém, perante metralhadoras num tiro ao alvo de feira popular, do choque das baionetas ao chegar ao arame na trincheira inimiga, mostra bem a irracionalidade dos chefes políticos e militares.
por isso, não é de admirar que desses exércitos da velha ordem dizimados estupidamente, como os vencidos e famintos exércitos russos, nascessem as revoluções que transformaram a europa do século xx: em petrogrado, umas dezenas de milhares de soldados amotinaram-se quando os quiseram reenviar para a frente; mussolini combatera no norte de itália e foi da frustração da ‘vitória traída’ e do medo das classes médias ao ‘perigo vermelho’ que recebeu apoio para o assalto ao poder; adolf hitler, austríaco de nascença mas alemão de coração e eleição, ganhou as eleições de 1933 a clamar contra versalhes, o tratado iníquo que castigara e humilhara os alemães.
portugal, no extremo-oeste europeu, ficou na periferia do conflito. mas os democráticos de afonso costa queriam o país na guerra para legitimar o regime e acautelar as colónias. para lá fomos pois – para angola, para moçambique e também para frança. desta ida para frança, pouco popular entre o povo, saiu também o 5 de dezembro de 1917, que conduziria sidónio pais ao poder.
com ele começava uma reacção nacionalista que teria outros continuadores. em 28 de maio de 1926, o oficial que deu o sinal da revolta em braga foi o capitão josé da luz brito, torre e espada na flandres.