Um psicólogo na cozinha

Desde que trocou a psicologia pela cozinha, já passou por restaurantes em Londres, San Sebastián, Tóquio e Hong Kong. No Oriente experimentou esperma de peixe e língua de baleia. Depois de uma passagem pelo concurso da RTP Top Chef, está de regresso ao Pedro e o Lobo, onde chega de skate, apesar de ser o…

durante anos houve a ideia implícita de que o chef de cozinha era uma espécie de deus intocável, sempre de jaleca imaculada e uma imagem discreta. os tempos mudaram, e os chefs viraram uma espécie de rock stars da modernidade. e, de repente, as cozinhas encheram-se de tatuagens, acessórios de moda, cabelos irreverentes. a assinatura pessoal de cada chef passou a estar não apenas na comida que cria, mas também no seu próprio visual. frederico guerreiro é um espelho desta mudança de paradigma. “faço parte de uma nova geração que não tem estritamente formação em cozinha, tenho um olhar multidisciplinar, e isso reflecte-se na minha imagem. não me imagino de chapéu. as cozinhas onde todos usam chapéus são para que nenhuma personalidade sobressaia e as cozinhas modernas não são assim. os cozinheiros precisam de ter personalidade. e não deixo de ser sério por ter este cabelo, parecer mais novo e continuar a andar de skate”. e nem pelo facto de o seu visual lhe ter rendido a alcunha de son goku, a personagem dos desenhos animados japoneses dragonball.

quem o vir, na rua, em cima de um skate, com o cabelo todo em pé, não acreditará que é o novo chef do pedro e o lobo. “o novo desafio era simplificar as coisas, mas não ao ponto de tornar a cozinha monótona. além disto, esta é uma carta mais pensada para partilhar”.

a partilha, aliás, é uma moda recente da cozinha. e a verdade é que as tendências influenciam cada vez mais a cozinha. “a cidade de lisboa segue muito o que é trend. quando surge um negócio que resulta, de seguida há muita gente a abrir negócios semelhantes e é até saturar. mas as trends surgem por necessidades das pessoas e a verdade é que as pessoas gostam de provar várias coisas numa só refeição”. assim, a nova carta do pedro e o lobo, a primeira com frederico aos comandos, tem uma lógica de petiscos, mas interpretados de forma moderna.

soa a cliché, é certo, mas a verdade é que frederico guerreiro nunca pensou ser chef. isto apesar de, desde muito jovem, gostar de cozinhar. quando chegou a altura de pensar no futuro, a paixão pelo surf levou-o a biologia marinha. desistiu e foi para psicologia, mas nunca chegou a terminar o curso. um grande amor fez com que fosse atrás de uma rapariga para os eua, onde trabalhou em restaurantes, só para pagar as contas. o amor acabou e regressou a portugal, mas já não voltou à universidade. foi trabalhar para o restaurante japonês sushi lounge estado líquido, em lisboa, e aí descobriu que se tinha apaixonado novamente. mas pela cozinha.

regressou aos eua para estudar culinary arts & management no institute of culinary education de nova iorque. terminado o curso, voltou a portugal e foi trabalhar para a cozinha do pedro e o lobo. durante quase dois anos passou pelos mais variados postos, sob a liderança dos chefs nuno bergonse e diogo noronha, até se demitir para participar num programa da rtp. “foi uma decisão difícil, mas conhecia a versão americana e achei que o top chef era um bom desafio”.

não venceu, mas somou experiência que o ‘empurrou’ para fora, para desenhar o seu próprio percurso. passou pelas cozinhas de nuno mendes (viajante, 1 estrela michelin, londres), martín berasategui (martín berasategui, 3 estrelas michelin, san sebastián) e seiji yamamoto (ryugin tóquio e ryugin hong kong, ambos com 3 estrelas michelin).

a experiência em tóquio foi a que mais o marcou. “estive um ano e tal à espera de conseguir uma colocação, mas era algo que queria mesmo fazer, pelo restaurante e pelo país”. ainda assim, assume que não foi fácil. “a começar pela língua, apesar de, em apenas três meses, ter aprendido alguma coisa. no primeiro mês tive dúvidas de que conseguisse ficar os três meses. é um povo difícil de penetrar, mas depois são muito calorosos”.

fã da cozinha japonesa, durante estes meses no japão experimentou de tudo: esperma de peixe, língua de baleia, tubarão, tartaruga, sashimi de frango – “comi frango cru, que é algo que toda a vida ouvi dizer que não se podia comer”. foi a restaurantes michelin e a bancas de rua em que “o melhor era nem olhar em volta”. alimentou o seu arsenal de sabores. e regressou.

já em portugal teve de lidar com a “frustração” de não saber qual seria o seu futuro num país a viver um momento difícil. “comecei a fazer projectos de food styling, que é uma área que ainda continuo a trabalhar”. a frustração acabou com o convite para regressar a uma casa que já conhecia, mas agora como chef principal. aceitou de imediato e, com ele, trouxe as experiências do último ano e meio. até porque acredita que a sua profissão “não passa só por estar fechado na cozinha, é necessário viajar e recolher influências, saber o que se faz pelo mundo fora”.

raquel.carrilho@sol.pt