a organização racional e totalitária de sociedades perfeitas – desprezando e pretendendo transformar a natureza humana – acaba sempre num frenesim de opressão e massacre. como aquelas seitas proféticas do século xvi (lembro os anabaptistas de münster, evocados magistralmente por marguerite yourcenar em a obra ao negro) que aspirando à pureza bíblica e evangélica terminaram na máxima promiscuidade e violência. ou, a obsessão da instauração da ‘virtude’ pelos jacobinos na revolução fundadora da idade democrática, que trouxe o terror e o primeiro genocídio da história europeia – o da vendeia.
a tradição comunista está bem ilustrada por um século de crimes, massacres e genocídios. que, pelo menos em número de vítimas, ultrapassam largamente os hitlerianos e todas as ditaduras fascistas e militares do século xx. o líder da coreia do norte, kim jong-un, o terceiro da tenebrosa dinastia do ‘socialismo real’ que resta, decidiu livrar-se do seu tio, jang song-thaek, e de cinco dos seus cúmplices, através de um processo de execução que lembra alguns horrores circenses da antiguidade.
os condenados foram despidos, metidos numa jaula e entregues à fúria faminta de 120 cães que, para a finalidade, não comiam há três dias. o festim durou cerca de uma hora e a ele assistiu o jovem líder, acompanhado por 300 altos dirigentes do partido.
a história veio contada no jornal wen pei po, de hong kong, órgão oficioso do partido comunista chinês. na sequência, o global times, ligado também ao diário do povo, outro jornal comunista chinês, criticava duramente o dirigente norte-coreano, aconselhando o governo de pequim a afastar-se de pyongyang.
jang, um elemento considerado realista, tinha boas relações com pequim e foi acusado por kim de conspiração e crimes económicos – vendas a preços baixos de metais, carvão e também de terras – a interesses chineses.
o caso, além de revelar selvajaria do homem e do regime, vem reforçar a tese de uma parte da liderança chinesa de que a rpc não pode nem deve continuar a apoiar o regime norte-coreano. um responsável militar chinês, o general wang hongguang, foi mesmo ao ponto de prevenir os responsáveis de pequim dos riscos de uma viragem na política da coreia do norte, dada a natureza perversa e paranóica do líder. outros observadores asiáticos e ocidentais, além das características terroristas da execução e do seu objectivo intimidatório a nível da classe dirigente, lembram que jang era um elemento reformista do regime, uma espécie de deng xiaoping.
ao contrário dos predecessores – kim il-sung e kim jong-il – que em casos semelhantes de familiares dissidentes, se limitaram a afastá-los ou exilá-los, kim jong-un foi a este limite para demonstrar aos compatriotas e ao exterior que está disposto a tudo para conservar o poder. e a coreia do norte tem armas nucleares.