Eusébio: O ‘campinho’ onde nasceu uma lenda

Situado numa zona com um nível freático muito elevado, durante a época das chuvas as águas estagnadas acumulam-se ao longo do caminho e inundam as casas, na sua maioria construídas simplesmente com chapas de zinco.

foi neste bairro que nasceu eusébio da silva ferreira, que nos deixou no passado domingo, dia 5 de janeiro, aos 71 anos. oriundo de uma família muito modesta, a sua infância foi passada a jogar na rua, com bolas de trapos.

amigo e companheiro de eusébio na infância e juventude, alfredo caliano contava, em 2012, que, como fã do desportivo, o sonho de eusébio era jogar naquele clube, mas o facto de ser negro impediu-o de integrar a equipa, acabando assim no sporting de lourenço marques.

ali, eusébio sagrou-se campeão moçambicano aos 16 anos de idade, sendo o mais jovem jogador da equipa sénior e um dos melhores marcadores da equipa. caliano recorda que o que diferenciava eusébio dos demais jogadores no ‘campinho da mafalala’ era a sua habilidade e capacidade de leitura de jogo. desde miúdo que eusébio mostrou ser um grande amigo da bola, o que fazia com que frequentemente, ao invés de ir à escola, ficasse no campo a jogar futebol.

“eusébio nunca gostou de estudar”, recorda o amigo de infância. “tinha um dom para jogar futebol, e os pais dele eram muito humildes, deixavam-no andar por aí. os meus, pelo contrário, sabiam sempre onde eu andava, o que fazia”.

foi na sequência de um convite da associação africana para participar num concurso de ginástica em portugal em 1963 que eusébio da silva ferreira ‘redescobriu’ flora, a mulher com quem, anos depois, viria a casar-se. alfredo recorda que, quando viu flora na mafalala, eusébio perguntou: “quem é essa moça bonita?”.

após o regresso a lisboa, a futura estrela do benfica manteve contacto com caliano, pedindo-lhe para interceder junto de flora. “pensei que fosse brincadeira, mas as coisas ficaram sérias e ele casou mesmo com a flora”, conta o amigo.

irmão desgostoso

eusébio da silva ferreira nasceu a 25 de janeiro de 1942, numa casa, à semelhança de tantas outras do populoso bairro da mafalala, feita com chapas de zinco, e localizada na rua de timor.

com o passar dos anos, a casa onde nasceu e viveu o ‘pantera negra’ foi cedendo ao desgaste do tempo. é um ponto de referência em todo o bairro porque ali nasceu, cresceu e dormiu um dos maiores ídolos do futebol mundial.

o quarto onde dormia eusébio, apesar de se encontrar em elevado estado de degradação, ainda pode ser visitado e constitui um lugar de romaria para amantes do futebol.

nos últimos anos, fernando, o irmão mais novo e que morreu há pouco, queixava-se de nunca receber a visita de eusébio, mesmo quando este ia a maputo. já alfredo caliano afirma que eusébio sempre esteve muito presente na família. “ele veio ao funeral da mãe, e vinha muitas vezes à mafalala”.

os meninos da mafalala sonham com eusébio

para homenagear o maior jogador de futebol de moçambique, o município deu o nome de eusébio à rua que se encontra em frente do ‘campinho da mafalala’, um campo de futebol de terra batida, com muito lixo à mistura, e duas balizas sem rede em cada ponta.

ali, os pequenos jogadores entram em campo não tanto por ordem de chegada, mas segundo a idade, sendo que os mais velhos, ao chegarem, expulsam os mais pequenos, que fazem filas de espera para entrar no jogo. pela lateral, passam os habitantes do bairro, tentando não levar com uma bola, que vem forte. à espera que o campinho esvazie, ficam as crianças, com as suas bolas de trapos, que se entretêm fazendo pequenos passes para não incomodar ninguém.

o campo que viu crescer e nascer um dos maiores ídolos do futebol mundial é o local onde as crianças daquele bairro periférico, inspiradas nos feitos de eusébio, jogam futebol, sonhando atingir os patamares alcançados pelo ‘pantera negra’. e no campinho não existe nenhuma criança ou jovem que não tenha ouvido falar de eusébio.

domingos ezequiel, de 15 anos, jogador da equipa da mafalala, diz que eusébio foi o grande fundador daquele campo e que começou a dar os primeiros toques na bola ali. por sua vez, paulo ibraimo, de 14 anos, joga na posição de avançado e afirma querer ser como eusébio – “meu pai disse que ele marcava muitos golos”. saide biné, de 13 anos, tinha o sonho de “ver eusébio ao vivo”. um sonho que já não se vai concretizar.

online@sol.pt