A crise da Monarquia espanhola

Um jornal da direita populista que tem sido o menos monárquico da grande imprensa espanhola, trouxe uma sondagem (publicada há dias, quando Juan Carlos festejava 76 anos) que comprova os maus tempos por que passa a Monarquia espanhola, e especificamente o Rei Juan Carlos.

segundo essa sondagem, quase dois terços dos espanhóis querem que o rei abdique e entregue a coroa ao seu filho – no que constitui uma em queda recorde da sua popularidade. juan carlos, no trono há 38 anos, já foi um dos soberanos mais amados do mundo.

houve realmente casos que o atingiram: primeiro que tudo, a fotografia em que foi apanhado com uma amante (o diz-se-diz-se é diferente da imagem de uma fotografia publicada nos jornais) numa impopular caçada ao elefante(o bicho morto aparecia na mesma fotografia, por detrás, a agravar as coisas para os defensores do ambiente), nestes tempos de crise, em que ainda por cima se feriu, e entrou numa sucessão de operações nunca totalmente resolvidas.

outro caso complicado: a investigação de corrupção da filha do rei, a infanta cristina, e do seu marido, inaki urdangarin (acusado de desvio de 6 milhões de euros em fundos públicos) – num momento de crise económica e desemprego generalizado.

sessenta e dois por cento dos entrevistados disseram acreditar que o rei deveria renunciar, em comparação com 44,7 por cento um ano antes, de acordo com sondagem semelhante.

apenas 41,3 por cento dos entrevistados tinham uma opinião boa ou muito boa do rei, contra mais de 76 por cento há dois anos.

os espanhóis mais jovens, que não estavam vivos durante os anos franco, nem se lembram do papel de juan carlos contra o golpe de estado de 23 de fevereiro de 1983 (tejero) foram esmagadoramente a favor da abdicação.

o príncipe felipe, de 45 anos, manteve uma avaliação positiva de 66 por cento, e a maioria dos entrevistados disse que a monarquia poderia recuperar o seu prestígio se ele assumir o trono.

para além dos escândalos, uma série de operações à bacia e costas e outros problemas de saúde têm alimentado especulações de que o rei, de 76 anos, pode abdicar, mas no seu discurso anual na véspera de natal, ele reiterou que não estava a pensar em tal movimento.

a verdade é que, por muito bem cotado que apareça agora o príncipe felipe, juan carlos é ainda a maior garantia que a monarquia tem em espanha. depois do franquismo, estudos de opinião concluíram que os espanhóis eram mais juancarlistas do que monárquicos – e que os verdadeiros e antigos monárquicos nem sequer apreciam juan carlos, de cujas posturas democráticas desconfiam. a princesa letízia, proveniente da classe baixa e obstinada por operações estéticas (desconfiando-se de coisas mais graves, como distúrbios alimentares), nunca foi verdadeiramente amada, nem pelos monárquicos de sempre, nem pelos novos juancarlistas (muitos dos quais acreditam que a instituição monárquica pode garantir melhor a difícil unidade de espanha).

mas se a unidade de espanha se definir de outra maneira (como poderá acontecer a partir de um eventual referendo catalão), a monarquia deixa de ser necessária para isso. e filipe, que nunca teve a empatia do pai, conotado com a mãe grega, arrepiado com verdadeiras instituições espanholas como são as corridas de toiros, seguramente não sobreviverá muito a juan carlos. a falta de popularidade do actual rei pode ser um problema real para toda a monarquia espanhola.

de resto, é praticamente seguro que ele não abdicará antes de solucionado o caso cristina-urdangarin (que continuaria a afectar a instituição monárquica, a partir de então sem alternativa), e antes de a revisão constitucional que modernizará a instituição monárquica em espanha (pôr as mulheres no mesmo pé dos homens e tornar obrigatoriamente transparente o que por enquanto apenas o é voluntariamente).

e vamos ver se os nacionalistas catalães, no seu afã de reforçarem a autonomia, não se verão comprometidos por um referendo favorável à independência (logo seguida seguramente pelos bascos) – que tornará a coroa supérflua (como garante da unidade de espanha), podendo lçevar partidos naturalmente republicanos, e que têm sido monárquico-juancarlistas, a abandonarem a instituição real.

não será, como alguns dizem, por receios de investigações judiciais que o rei não abdicará. a tortuosidade do seu enriquecimento pessoal (e o seu comprometimento em casos como o banesto-mário conde, kyo-javier de la rosa ou assalto à casa de uma sua suposta ex-amante, a actriz bárbara rei), que poderá ter servido de mau exemplo a urdangarin, já estará seguramente coberta pela prescrição. hoje, a não abdicação terá motivos mais lógicos e menos egoístas, na perspectiva da defesa da monarquia em espanha.