O irmão mais velho dos elevadores de Lisboa

Aos 131 anos continua a subir e descer o monte como se nada fosse. Considerado Monumento de Interesse Público, o Elevador do Bom Jesus, em Braga, nunca teve um acidente e trabalha a água, sendo o funicular com este sistema que se encontra em funcionamento há mais tempo em todo o mundo.

se perguntarmos qual é o mais antigo dos elevadores portugueses, uns dirão que é o da lavra, outros que é o da glória e outros, ainda, responderão que é o de santa justa. todos estarão errados.

o primeiro elevador construído não só em portugal mas em toda a península ibérica foi o de braga. conhecido como elevador do bom jesus, foi aberto ao público em 1882 e, desde aí, funciona todos os dias, transportando os visitantes até ao santuário que lhe deu o nome.

“é um museu vivo. em todo o mundo, é o mais antigo em funcionamento com o sistema de contrapeso de água”, sublinha varico pereira, mesário da confraria que gere o espaço.

o segredo desta longevidade parece ser a água. fresca e cristalina, que corre com abundância pelos montes em volta e enche os depósitos que fazem mover o velhinho funicular. o funcionamento é o mesmo de há 131 anos: existem duas cabinas onde viajam os passageiros, que estão unidas uma à outra por um cabo de aço, fazendo o percurso em duas linhas de carris paralelas.

uma fica no topo da montanha, outra cá em baixo. a cabina de cima é enchida com água e, uma vez embarcados os passageiros, é só destravar e a gravidade faz o resto do trabalho. o peso da água faz descer a que está no topo e esta, através do cabo, puxa a outra para cima. é o chamado sistema de contrapeso.

“parece rudimentar e, efectivamente, a forma como ele funciona é básica e simples”, lembra varico pereira. tudo aqui parece tirado de um filme de época. até a comunicação entre os condutores das duas cabinas é feita com recurso a uma campainha. “um toque equivale a cinco pessoas, dois toques são dez. se estiverem na cabina de baixo cinco pessoas metemos quinhentos litros de água. se forem dez metemos mil”, explica o motorista joão rodrigues.

ora, a tecnologia e a comunicação até podem ser oitocentistas mas a segurança faz-se pelos padrões do século xxi. os calços dos travões são fabricados por medida – num custo que ronda os 30 mil euros anuais – e o cabo foi substituído na renovação de 2006, sendo vistoriado regularmente com recurso a um sofisticado scanner.

à custa de tudo isso, o elevador ostenta com orgulho o invejável balanço de zero acidentes, em treze décadas de serviço. a única altura em que os bombeiros por aqui a andaram foi num simulacro, realizado em 2013, cumprindo um dos requisitos do instituto da mobilidade e dos transportes mas também “para transmitir segurança às pessoas”, refere varico pereira.

‘really cool!’

todos os anos, o funicular do bom jesus do monte transporta à volta de cinquenta mil passageiros, mas a afluência é cheia de altos e baixos. as viagens lotadas no verão – cada cabina pode levar 38 passageiros – dão lugar a meses frescos com muitos lugares vazios. “no inverno, a não ser o turista que vem em grupo, só os fins-de-semana com sol” enchem o elevador, principalmente os domingos de manhã, “que é quando vêm excursões de espanhóis”, esclarece o motorista.

são precisamente espanhóis os primeiros turistas com quem falamos. mónica e miguel vieram das astúrias e adoraram a viagem. “nem fazíamos ideia que existia isto. foi a primeira vez e gostámos muito. penso que em espanha não há nada do género”, diz ela, rapidamente corrigida por ele que fala de um parecido, na zona de barcelona.

uns bancos à frente, uma senhora inglesa, aí uns 50 anos mais nova do que o elevador, diz que não quer falar. mas a neta deixa fugir um “it’s really cool!” por entre um par de sorrisos rasgados.

mas não são apenas estrangeiros os que optam por subir o monte no funicular. os portugueses, principalmente os da terra, também o usam, como é o caso de albino pinto, reformado, que aproveitou um dia de sol de outono para subir o monte a pé e levar a mulher a comer um gelado no bom jesus.

“faz-se uma caminhadazita, ganha-se apetite, mas daqui para frente tem que se apanhar o ‘comboio’, que os joelhos já não dão para mais”, diz, apontando para o íngreme escadório que sobe até ao santuário e funciona como alternativa ao elevador.

o desmotivador desnível de 116 metros e a inclinação de 42% são de facto bons incentivos ao uso do elevador. mas a maior parte dos visitantes opta por levar o carro, o que cria um problema de trânsito e estacionamento no santuário.

“queremos desmassificar a utilização dos carros e autocarros lá em cima”, explica o mesário da confraria do bom jesus. a ideia é que as excursões passem a fazer a paragem junto à entrada do elevador. a partir daí, a viagem passa a ser feita no funicular.

“reduz-se o impacto do uso de transporte lá em cima (acumulação de trânsito e constrangimento das saídas), usando um meio de transporte ecologicamente sustentável”, lembra varico pereira.?além de não usar combustíveis – é movido a água – também não produz resíduos poluentes. o próprio óleo que lubrifica o cabo foi escolhido de forma a não contaminar águas e solos.

património da humanidade à boleia do elevador

o elevador até pode ser sustentável do ponto de vista ambiental. mas e do ponto de vista financeiro? “sim, é. e mesmo que não fosse, a confraria faria um esforço para a manter. é um ex-líbris da cidade de braga e do bom jesus”, salienta o responsável.

o preço é convidativo: um euro e vinte só ida, dois euros ida e volta. mais do que a viagem, paga a experiência. “hoje o turismo vive de experiências”, as pessoas valorizam mais “as experiências que levam do local”, defende varico pereira.

e, neste caso, a experiência vale a pena. a viagem é curta – duzentos e vinte metros – mas pode levar dois minutos, às vezes mais. não há pressa, o ambiente de montanha convida ao vagar. não é propriamente uma viagem silenciosa, mas o ruído dos carris não chega a ser ensurdecedor, pelo que falar mais perto do ouvido do companheiro de viagem resolve perfeitamente o problema.

há uns quantos solavancos, mas suaves, um abanão aqui, outro ali, enfim, aquele desconforto agradável de quem fica com a sensação de viajar sentado num banco de jardim. no fundo, tudo ajuda a apurar a experiência.

é caso para dizer que há ali qualquer coisa de antiquado, mas no bom sentido. tecnologia deste século, só mesmo os telemóveis e câmaras fotográficas dos turistas. isto porque, na última remodelação, optou-se por preservar a atmosfera romântica do século xix.

“tinha um aspecto de elevador mais moderno. esta alteração de 2006 foi no sentido de recuperar a estrutura original. mas não implementámos nenhuma inovação que torne mais rápida a subida, ou a descida”, explica varico pereira.

o reconhecimento chegou este ano, quando o elevador do bom jesus foi finalmente classificado como monumento de interesse público. o passo seguinte é a candidatura de todo o santuário a património mundial da unesco. e, quem sabe, talvez o elevador seja o meio de transporte mais rápido para lá chegar.

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