É uma casa portuguesa com certeza

Panela de pressão, marquises e bidés são típicos das casas dos portugueses, que têm também uma forma diferente de fazer a cama. A televisão é central na decoração da sala. Estas são algumas das conclusões de um estudo encomendado pela Ikea para conhecer melhor as casas dos portugueses e os seus hábitos domésticos.

assim que chega a casa, o primeiro impulso de sofia é ligar a televisão. o aparelho assume uma posição “central” na sua sala, “nem que seja para ter barulho de fundo”, explica. “faço sempre as refeições na sala. se tiver visitas, por causa do espaço, e sozinha também, para ver tv”, relata a jovem, que vive sozinha num t3 alugado de 70 metros quadrados, em lisboa.

com esta descrição, sofia, 32 anos, corresponde ao perfil que distingue as casas dos portugueses: a importância da caixa mágica no dia-a-dia.

segundo o usages & atittudes (hábitos e comportamentos), estudo feito pela gfk para a ikea sobre as habitações em portugal, 46% dos inquiridos vêem televisão enquanto tomam as refeições. a percentagem não será alheia ao facto de os portugueses serem dos que mais tempo passam em frente ao televisor. acima de cinco horas e meia diárias, contra as cerca de quatro horas da média europeia. e o consumo de conteúdos televisivos está a aumentar com a crise. é entretenimento em conta e o desemprego obriga a ficar mais tempo dentro de portas.

“a televisão é, muitas vezes, o centro da sala. e a maioria dos portugueses tem mais de uma televisão. nas nossas casas há, em média, duas a três televisões, mas há casos onde há mais”, descreve ana teresa fernandes, directora de sustentabilidade da ikea, frisando que “é na sala de estar que se passa mais tempo, é o sítio social”.

também por isso, 73% dos portugueses têm um espaço de estar e uma zona de refeições integrados na mesma divisão, mostra o estudo – que inquiriu 500 famílias de lisboa e porto, em 2012. quando têm visitas, 64% opta por almoçar ou jantar na sala.

sofia acompanha esta tendência, embora não siga o gosto da maioria dos portugueses. na sua casa, a mesa com tampo de vidro faz conjunto com três cadeiras de ferro e assento em palhinha. o sofá, de tecido claro, tem dois lugares e transforma-se em cama. não são essas as opções da maioria. por cá, preferem-se móveis de madeira e sofás escuros, modernos e de três lugares (ver infografia em cima). os que fazem de cama têm pouca procura. ao contrário do que acontece na rússia ou na polónia, onde as casas são pequenas e albergam várias gerações. por isso, é preciso improvisar um quarto na sala, indica ana teresa fernandes.

panelas de pressão para o cozido

na casa da família ludovice andrade cumpre-se o padrão decorativo. mas não o amor à televisão. há uma na sala. e outra num dos quatro quartos. “está lá por acaso”, assegura fernanda, a mãe. “durante as refeições nunca se vê televisão. são sempre em família e tentamos fazer uma com todos, incluindo os que já não vivem cá, pelo menos uma vez por semana”.

num apartamento de 180 metros quadrados, no centro de lisboa, vivem oito pessoas: cinco irmãos, uma avó, pai e mãe. “são três gerações na mesma casa, o que já não é muito normal”, descreve fernanda.

se a família toda se juntar – há mais duas irmãs e uma bisneta – podem ser 11, número provisório porque dentro de alguns meses chegarão mais dois bebés. e cresce ainda mais se se contar com os maridos das filhas que já casaram.

aqui, é à mesa que se põe a conversa em dia. há alguns anos, o casal optou por juntar duas divisões e ampliar a sala para poder ter uma mesa maior. e abdicou da despensa, que passou a ser uma zona de refeições na cozinha. tal como a maioria dos portugueses, nesta divisão não faltam o micro-ondas, frigorifico, exaustor, torradeira e fogão e forno conjunto, os electrodomésticos mais habituais.

essencial e típica nas casas portuguesas é também a panela de pressão, que a ikea passou a incluir na gama face à procura – à semelhança da presunteira, que é obrigatória nas lojas de espanha, ou das tagines (um tacho de barro com tampa cónica) nos países com grandes comunidades árabes, como frança.

sendo uma família numerosa, os ludovice andrade não deixam a tradição por tachos alheios. em vez de uma, têm três panelas de pressão, “incluindo uma de 18 litros que dá muito jeito para fazer cozido à portuguesa”, brinca luís, o pai.

marquise: uma invenção à ‘tuga’

na cozinha há ainda espaço para a máquina de lavar roupa, outra característica das habitações portuguesas, segundo as análises da cadeia sueca, a maior do mundo em mobiliário e decoração. “quando entrámos em portugal, achávamos que estas máquinas estavam nas casas de banho. em portugal estão na cozinha ou na marquise. para os nossos colegas estrangeiros não faz sentido porque acham que a roupa se lava na casa de banho. também não compreendem que se feche a varanda, que pode ser usada para desfrutar ao ar-livre com a família, sobretudo tendo em conta o nosso clima. qualquer pessoa do centro ou norte da europa aproveitaria esse espaço assim”, nota ana teresa fernandes.

e se 34% dos portugueses têm uma zona de lavandaria em casa, desses, 65% instalaram-na na marquise, evidencia o usages & atittudes. embora haja quem a mantenha, é habitual fechar a varanda, tornando-a multiusos: pode servir de escritório, ginásio, zona de arrumação, espaço para animais domésticos. “damos uma dupla função. pode ser uma zona mais social, para receber amigos, e aí temos cadeiras, mesa, pufes. ou zona de apoio às funções quotidianas e tem estendal para secar a roupa, lavandaria, detergentes, balde, vassoura, tábua de engomar, sobretudo se não houver despensa”, diz ana teresa fernandes.

obcecados por arrumação

o casal da família ludovice andrade também fez escolhas pouco comuns. faz parte dos 10% de portugueses que têm escritório em casa. o seu serve de biblioteca. e inclui-se nos 17% que têm wc no quarto principal, ainda que construído a posteriori, tal como o closet, também incorporado na divisão. no estudo, só 5% dos inquiridos mencionam ter um espaço deste género.

nos dois quartos da casa de rita teixeira, 34 anos, não há closet. mas não faltam armários e cómodas, que também existem no hall. numa das duas varandas – nenhuma fechada – tem uma sapateira para o calçado de toda a família.

a viver com o marido e o filho de um ano e meio numa casa de 150 metros quadrados em loures, rita assume que “a questão do espaço é imperativa”. e essa é uma necessidade crescente nas habitações lusas. por exemplo, cada vez mais consumidores querem sommiers (camas cuja base levanta, deixando espaço para arrumações debaixo do colchão), revela ana teresa fernandes. e detalha que, além da estética, há maior preocupação com a funcionalidade e a organização. em portugal, 95% das casas tem um armário no quarto principal. e 78% desses ocupam uma parede única. muitas vezes, está até embutido na parede. e vai do chão ao tecto, com a parte superior, menos acessível, a encher-se de malas, cobertores e artigos de menor uso. “isso também é muito típico de portugal”, diz a responsável da gigante sueca, que faz estudos e visita casa de clientes para conhecer os mercados onde opera.

segundo a directora, a cultura nacional, avessa a ter objectos à mostra, justificará a predilecção por soluções de arrumação fechadas. “os roupeiros sem portas, com a roupa à vista, não são das mais consensuais entre os nossos clientes”, realça.

ainda assim, também há outras combinações. tal como rita, sofia também tem roupeiros nos quartos (não embutidos). e nenhuma delas abdica de ter charriots com algumas peças de roupa penduradas. no caso de sofia, a estrutura completa a decoração do quarto de dormir, onde há mais duas cómodas e a cama de estrutura baixa, sem cabeceira, colcha ou almofadas. “tenho apenas o edredão esticado ‘pelas orelhas’“, ri-se, sem saber que a sua forma de fazer a cama está mais próxima da escandinava do que da portuguesa.

na suécia, país de origem da ikea, ou na noruega “usam edredão dobrado por cima da cama, sem entalar. não usam colchas, nem os lençóis presos”, descreve ana teresa fernandes. em portugal, normalmente as almofadas de dormir ficam cobertas por uma colcha. por cima, a enfeitar, há mais, de vários tamanhos e cores diversos, “como se vê agora nas revistas”. os travesseiros, tipicamente espanhóis, ao longo da cama são pouco frequentes, até porque em portugal gosta-se de almofadas de dormir mais pequenas do que noutro países.

segundo a ikea, o estilo moderno é o preferido por terras lusas, embora haja diferenças a nível regional. o clima, a arquitectura, as novas tecnologias, a evolução do tipo de famílias, o envelhecimento da população, a cultura e o gosto individual influenciam muito.

estilo: vintage, clássico, moderno

sofia gosta de móveis modernos e de cores claras. mas se forem bancadas ou mobiliário de arrumação, prefere vintage. na sua residência, as paredes são todas brancas. rita teixeira também conjuga móveis modernos, de linhas direitas, com cómodas e candeeiros antigos.

em casa dos ludovice andrade há propositadamente uma mistura de estilos, ainda que a maioria dos móveis seja de madeira. “tem a ver com as nossas viagens e com um certo gosto pelo coleccionismo”, explica o pai. no hall há uma grande vitrina com muitas máscaras. na sala, vislumbram-se artigos de várias latitudes. paredes e tectos têm mais do que uma cor. nas janelas há cortinados e pendentes.

“é engraçada a nossa adesão às cortinas, estores, blackouts. nos países nórdicos não usam. quando se passa na rua, vê-se tudo o que está a acontecer em casa, o que para nós é estranho. como amanhece muito cedo e a partir das três da tarde é noite, querem aproveitar a luz natural ao máximo. em portugal é o oposto. queremos proteger-nos do sol e não queremos que as pessoas lá fora saibam da nossa vida, o que poderá ter a ver com a nossa cultura”, acredita ana teresa fernandes.

para esta profissional da ikea, marca que está há dez anos no mercado nacional, os portugueses estão mais afoitos em matéria de decoração, muito graças os múltiplos programas televisivos sobre o tema, que apostam no ‘faça você mesmo’, e à entrada de cadeias de lojas especializadas.

“antes comprava-se uma mobília para a vida e não se mudava. hoje, os portugueses arriscam mais, e a decoração da casa é como a moda. consome-se mais e mais vezes. põem-se umas almofadas, muda-se uma manta, a capa do sofá ou os cortinados e fica uma casa nova”.

com a redução das idas ao restaurante por causa da conjuntura económica, o consumo também está a transferir-se para o lar, como refere ana teresa fernandes:”neste contexto de crise, as pessoas passam mais tempo em casa e este espaço ganhou nova importância. investem mais em pôr a mesa para receber os amigos, compram-se uns castiçais, dão muito mais atenção a estes detalhes”.

ana.serafim@sol.pt