este quadro clínico aponta para a possibilidade de alguém ter alimentado a criança e tê-la abandonado apenas na madrugada de quarta-feira (dadas as escoriações recentes, compatíveis com arranhões provocados por feiteira). a única negligência parece ser a mudança da fralda.
aliás, quer a fralda (suja) quer as roupas usadas quando foi encontrada – as mesmas que envergava no dia do desaparecimento – foram mudadas no centro de saúde da calheta e recolhidas pela polícia judiciária (pj) para serem analisadas.
daniel desapareceu no domingo à tarde, durante um convívio familiar na casa dos padrinhos, no estreito da calheta. e foi encontrada no meio de feiteiras, 30 metros abaixo do trilho da levada nova, a cerca de dois quilómetros da casa de onde desapareceu.
as autoridades – que estranham o facto de o local ter sido ‘varrido’ por polícias e populares e não ter sido avistada a criança – admitem como plausível que alguém se tenha arrependido de um suposto rapto e tenha deixado daniel perto do local onde veio a ser encontrado.
de resto, durante as buscas, os cães pisteiros da gnr farejavam até à porta de saída da casa dos padrinhos e aí perdiam o rasto – o que aponta para a possibilidade de, à saída da habitação, alguém ter metido a criança num carro.
todos os cenários em aberto
manuel teixeira, o levadeiro (responsável pela manutenção das levadas, isto é, cursos de água usados para rega e abastecimento) que encontrou o menino, disse ter sido alertado pelo choro: “estava sentado, molhado, debilitado, tinha frio e estava com fome”.
o corpo clínico do serviço de saúde da madeira confirmou, depois, que quer o choro “vigoroso” quer a forma “ávida” como daniel tomou dois copos de leite apontam para o facto de não ter andado errante, sozinho, durante três dias, ao relento, suportando temperaturas que durante a noite descem aos 2 a 3 graus.
clinicamente a criança apareceu “bem, lúcida, consciente, não apresentando sinais de exaustão nem de maus tratos”, garantiu o pediatra e responsável pela unidade de neonatologia do hospital do funchal dr. nélio mendonça, josé luís nunes – que considerou “intrigante” que o menino tenha sobrevivido sozinho durante três dias e três noites, ao relento, e “chegado bem, como chegou, ao hospital”.
o pai da criança, carlos abreu sousa, desempregado, criticou a forma como as autoridades conduziram as buscas. o coordenador da pj eduardo nunes teve de vir a público explicar que quando, na segunda-feira, anunciou que as buscas estavam interrompidas quis dizer que estavam suspensas “para reavaliar a situação”. “as últimas diligências, os últimos acontecimentos [aparecimento da criança] podem levar a pensar que estamos perante um crime de rapto”, declarou.
a pj vai continuar a investigação e mantém em aberto todos os cenários, incluindo a participação de familiares ou conhecidos num possível rapto para venda da criança.
mãe é ‘equilibrada e séria’
segundo apurou o sol, a jovem lídia freitas, de 24 anos, mãe do pequeno daniel, tem um passado problemático. esteve numa família de acolhimento e mora agora, com o marido, numa habitação precária com os pais deste. apesar das baixas qualificações, da ausência de planeamento familiar e do desemprego, procurou levantar cabeça e chegou a trabalhar num café.
o sacerdote que baptizou o pequeno daniel considera-a “extremamente equilibrada e séria”. ao sol, o padre silvano gonçalves conta que lídia vai regularmente à missa, ao contrário do marido, e que, nas conversas que tiveram, nunca lhe pediu ajuda.
a comissão de protecção de crianças e jovens da calheta não adiantou se existe algum processo pendente relacionado com o daniel e a sua irmã, alegando sigilo. mas a segurança social tem o caso sinalizado.