As praxes são todas violentas e anti-universitárias

As praxes são todas violentas e anti-universitárias. Não apenas quando se verifica violência física, ou quando morrem pessoas (como terá acontecido agora no Meco), ou quando uns fedelhos são malcriadíssimos para um professor (como li que sucedeu na Universidade do Minho). Basta haver humilhação de caloiros por gente mais velha, que goza a dar ordens…

Portanto, repudio completamente a posição de comentadores, governantes e académicos que fazem a distinção entre praxes boas e más. São todas horríveis, e ainda piores em ambientes universitários (que deviam dedicar-se ao saber e à humanidade).

Demorei a escrever, após o caso do Meco, não só para ultrapassar o período emocional, mas também porque quis reflectir sobre o facto de estudantes crescidos, gente feita, aceitarem gozosamente estas práticas, em que começam por ser humilhados, para a seguir humilharem eles – e ainda terem o descaramento de falar em lições de vida (como parece ter acontecido com uma das raparigas entretanto mortas no Meco, que uma testemunha e vizinho local tentou salvar do disparate da praxe). Lembrei-me do complexo de Estocolmo (nos sequestros). Deve ser parecido.

Mas começa logo por ser disparatado o argumento da tradição. Andei na Faculdade de Direito de Lisboa antes e depois do 25 de Abril (fui lá apanhado pela Revolução), e nunca vi praxes em qualquer ambiente universitário lisboeta da época. Nem os chamados trajes académicos. Dizem agora que a coisa começou a surgir em Lisboa e no Porto nos anos 90. Em Coimbra sim, havia a tal tradição, mas as tradições más abandonam-se, como essa chegou também a ser esquecida por lá. Até houve um Rei que a proibiu noutros tempos, como fora antes proibida em Harvard, nos EUA.

Tem razão um colunista que sublinha haver tanta aversão a pais e professores que dêem um inocente tabefe num menino malcriado, mas famílias e instituições têm aceitado a manutenção deste disparate (que ainda por cima mata, mas seria disparate na mesma, se não matasse).

Sou inclinado a estar de acordo com Vasco Pulido Valente, quando assaca às novas escolas superiores, sem nenhum prestígio (os do Meco eram da Lusófona, o que confirma a tese), alguma simpatia por estes rituais selvagens. E também com Pacheco Pereira, quando fala em parolice, apesar da snobeira que esta atitude implica. Mas pessoas de algum nível social nem sequer permitem que os filhos tenham trajes académicos, quanto mais participarem em praxes. Eu próprio tenho 8 filhos, dezenas de sobrinhos, e conheço uma multidão de amigos deles, e tenho confirmado que nenhum se meteu nunca em praxes. Usaram a Universidade para estudarem, e fazerem uma vida social normal. Mas admito que famílias mais humildes se deslumbrem com a entrada de um membro seu no Ensino Superior, e se deleitem em vê-lo de traje universitário. A democracia afinal é isto. Só que passa também por haver leis que previnam os disparates de quem anda em grande mobilidade social, e não tem raízes de etiqueta universitária. Senhores deputados, senhores professores catedráticos, senhores governantes, mexam-se de uma vez.

A propósito, vi uma entrevista com o dux veteranorm do Porto, um tipo que anda agora na casa dos sessenta e tal anos, e demorou 41 a tirar um curso de engenharia. É um dos tais que acha haver praxes boas e más. O seu currículo diz tudo o que disseram pessoas como Pulido Valente e Pacheco Pereira. Que eu assino por baixo.