Na altura dos acontecimentos na Tunísia e, mais recentemente, na Turquia, ia acompanhando as notícias?
O universo árabe é-me distante e tenho grandes dificuldades culturais em entendê-lo. O que me interessou neste documentário é que é construído de uma forma que não decide por mim o que está a acontecer, ou seja, não me está a dar uma opinião, não está a dizer o que devo sentir. Vejo-o e há um lado que me provoca alguma ansiedade… Pergunto-me ‘o que é que isto significa?’, ‘a pessoa está a dizer a verdade ou está só a defender o seu lado?’ e isto dá-me espaço para querer investigar o assunto, há um espaço de liberdade para cada um fazer a sua interpretação.
Houve algum momento que o tivesse marcado particularmente?
Fez-me muita impressão a forma como o ódio – principalmente das mulheres – é demonstrado fisicamente. Há sempre uma descrição pormenorizada do que se faz, de como se mata… É como se a violência estivesse entranhada nas pessoas.
Ficou com vontade de conhecer melhor os países que o documentário retrata?
Não numa perspectiva turística. Já me disseram: ‘Que bom que é tu ires para o estúdio, no quentinho, gravares a narração’ e, de facto, é um comentário pertinente em que eu próprio pensei. Mas, para mim, o lado de experiência humana que estas pessoas tiveram é fascinante. E vinha a pensar ‘qual é a minha disponibilidade de ir para um sítio destes e abdicar desta nossa paz?’. Depois vinha a pensar nos actores e o seu lado social de se juntarem a causas. E isso tem a ver com o tal ‘quentinho do estúdio’ porque nós, actores, aproximamo-nos de outros universos para tentar dar alguma realidade à ficção mas acho que há uma pontinha de culpa por não ter vivido aquela experiência. Adoraria meter-me numa aventura destas!
O que vai trazer de novo o documentário para o grande público?
Aquilo que se tentou fazer foi mostrar o que é importante para aquelas pessoas. Elas querem as coisas mais básicas, querem ter uma vida que é a da normalidade: ir trabalhar, ter um emprego, ter uma casa. Há uma história fascinante de um tunisino que diz que gostava de ter uma namorada mas que não tem dinheiro para isso porque não tem emprego e mal consegue sobreviver! Isso é muito forte. Claro que há a cultura e a religião mas o foco está nas pessoas que têm as mesmas necessidades que nós. Até porque os factos já são conhecidos. Por isso o foco está naquilo que não aparece na televisão, a sua vida, as suas rotinas… E ali estamos diante de gerações perdidas, de guerras, violências e ódios…
O Ivo cresceu num período pós revolucionário. Em que medida o 25 de Abril marcou a sua geração?
Marcou-me mas se calhar de uma forma não consciente, ou seja, já sou aquela geração que apanha a liberdade como garantida mas lembro-me sempre do meu pai a dizer-me que houve uma altura, há 20 minutos cósmicos, que não era assim. E lembro-me de ele dizer que gostava muito de ir ao supermercado e vê-lo cheio – ainda hoje gosta – porque na altura as prateleiras não estavam cheias, nem sequer havia supermercados! A minha geração já vive em liberdade mas na minha área também pagámos o preço e confundimos liberdade com o vale tudo e isso destruiu um pouco a nossa credibilidade. A liberdade tem também que ter limites, nem que seja cada pessoa com os seus limites interiores.
Agora podemos vê-lo na série Os Filhos do Rock, na RTP, onde é o porta-voz da revolução musical dos anos 80. Como está a ser esse projecto?
É uma personagem inspirada em pessoas reais – no António Sérgio e no Luís Filipe Barros – e num espírito de modernidade. A música é totalmente transversal à sociedade. Parece que só ela toca imediatamente em tudo, seja lá de que género for, e mais uma vez está também sempre associada às revoluções. Lembro-me do George Carlin dizer que tinha muito medo dos grupos a cantar cantigas juntos, de chapeuzinhos iguais, e, realmente a música tem um efeito unificador e libertador em qualquer sociedade, sendo que nas revoluções ganha uma dimensão ainda maior. No documentário assusta-me ver crianças a cantar músicas que, não sabendo a letra, são lindas, mas que mal começo a ler as legendas digo ‘que medo!’ porque são ‘mata não sei quem, mata não sei quem…’ e aquilo fica associado a coisas de infância que depois saem completamente naturais. É simplesmente assustador….