No longo ensaio analítico que abre o volume, Gabriele Pedullà, professor de Literatura italiana na Universidade de Roma, começa por lembrar que Il Principe é, antes do mais, “l’opera de uno sconfitto” – de um derrotado, de um vencido.
Nesse ano de 1513 Maquiavel tinha 44 anos, fora demitido do serviço público de Florença, acusado de conspirar contra os Médicis, preso e humilhado. Amnistiado pela ascensão de Giovanni Lorenzo de Médicis ao Pontificado, como Leão X, não perdera a paixão política, mas, tendo acompanhado as guerras dos grandes Estados na península itálica e feito política doméstica anti-Médicis com Piero Soderini, via-se agora em desgraça, ‘vencido’.
Mas um vencido não convencido, que, como outros contemporâneos, aceitava as voltas e revoltas da fortuna. Como escreveu ao amigo e confidente Francesco Vettori (esse na mó de cima, delegado de Florença junto da Corte Papal):
“Quis a fortuna, que não sabendo eu nem da arte da seda, nem da arte da lã, nem de perdas e ganhos, me dedicasse a tratar do Estado”.
Il Principe é um tratado sobre o Estado e a conquista do Estado. Um livro que, tal como o seu autor, teve a graça e a desgraça da popularidade, de ser citado e recitado por toda a gente a partir de referências em segunda mão e de fragmentos de divulgação jornalística. O longo estudo-prefácio de Pedullà tem o mérito de situar a obra no contexto e de retomar algumas das questões do ‘enigma de Maquiavel’: para que escreveu ele O Príncipe? Para conquistar as boas graças dos Médicis, de novo senhores de Florença? Por ter querido, como técnico ou tecnocrata da arte política, elaborar um ‘espelho de príncipes’ nos antípodas dos escritos pelos moralistas tardo-medievais e renascentistas; ou um panfleto patriótico, um apelo nacionalista, um discurso para libertar a Itália dos bárbaros? Entrando na polémica repúblicas-principados, terá Maquiavel pretendido defender os novos príncipes, os novos reinos unidos e centralizados pela razão de Estado, como forma de modernidade na nova Europa?
Há argumentos e contra-argumentos para todas estas interpretações. Em cinco séculos, O Príncipe, o seu autor e conjunto da sua obra deram lugar a intermináveis estudos, comentários, interpretações, rejeições. O que não deixa de ser natural, se aceitarmos que foi o ‘inventor da Política’. Ou, pelo menos, da política moderna, como arte e razão do Estado, uma Política não subordinada à Religião, ou à Moral, ou ao Direito.
Com ele entramos numa terra estranha e incógnita, talvez não no ‘Reino do Mal’ de que fala Prezollini, mas num mundo e num submundo onde há alturas e abismos. Como tudo o que é humano, demasiado humano.
O Príncipe, na sua pedagogia asséptica e assustadora, escancara alguns desses abismos. É e será sempre, uma leitura necessária.
*Niccolò Machiavelli, Il Principe, (Edizione del cinquecentennalle con traduzione in italiano moderno di Carmine Donzelli. Introduzione e comento di Gabrile Pedullà), Donzelli Editori, Roma, 2013.